25 de julho de 2007

Ao preparar o verbete do poeta Jesus Barros Boquady para inclusão na página virtual do Antonio Miranda (www.antoniomiranda.com.br), notei que um de seus poemas certamente terá sido a gênese para a música "Construção", de Chico Buarque, que está no disco homônimo de 1971. O poema de Jesus Barros Boquady saiu em 1964 no livro A Poesia em Goiás, de Gilberto Mendonça Teles. Em ambas peças, a presença integrada do operário com o edifício em construção e a cidade. É claro, no poeta goiano, a cidade ainda é verde, mas, para o compositor paulista, a cidade é mais asfáltica. Fica a análise aprofundada para as autoridades em intertexto (o próprio Gulberto Mendonça Teles é uma delas).

MORTE EM TRABALHO CONSIDERADA


Jesus Barros Boquady



em qualquer que seja a lida
há lances de queda, ritmo
que se perde em segmentos,
choque de aço no crescer
dos edifícios,
polias
fervilhantes,
com as lixas
percorrendo as faces ásperas
da madeira não mais virgem,
nervos,
sangue,
coração
de repente pára a vida,
um gesto que se interrompe,
o corpo tomba no espaço,
os braços vibram na luz
que subtrai silhuetas
e,
no declive,
paisagens
correm enquanto crescendo
o chão aguarda calado
o fruto que se desprende
dos galhos com parafusos
e soldagens de oxigênio
ligados ao tronco alado
do edifício em construção,
que sobe,
buscando as tardes
onde quer que elas se escondem,
pois as tardes vêm de cima,
envoltas em cinza e brasa,

ou só cinza quando chove
há caminhos que se traçam
no aclive, na descoberta
do espaço,
as vigas montadas
na invasão do quase vácuo,
mundo onde existem a brisas,
esses alimentos de pássaros
irmãos em asas dos anjos

os olhos, voltando vêem
lembranças de seus estágios
nos andares construídos,
onde se urdiram os sonhos
nas escaladas do céu,
o terraço,
a sombra,
a fome
sentida na hora do almoço,
a vontade de ir além
do andaime,
no elevador,
tocar as nuvens lá em cima,
olhar a cidade,
chão
em que deslizam os homens

dentro de instantes é a morte,
o baque surdo no asfalto,
a morte melhor que é,
morte em tempo passado,
e já — porque veio — aceita,
por isso considerada
em trabalho, mais nada

os olhos se comprimiram,
ao duro encontro da morte
as retinas se partiram

o verde dos olhos desce
agora mesmo da vida:
derrama-se pelo chão,
confunde-se com a grama
entre cal,
terra e cascalho,
em verde humano,
mas verde.


Jesus Barros Boquady nasceu em Crateús (CE), em 22 de abril de 1929, mas foi em Goiás que passou a maior parte de sua vida e onde cristalizou a parte mais importante de sua obra. Os últimos anos de sua vida foram passados em Brasília, cidade em que se aposentou por serviços prestados à Câmara dos Deputados e em que veio a falecer. Em Goiânia, bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal de Goiás e licenciou-se em Letras Modernas pela Faculdade de Filosofia. Na capital goiana, atuou no jornalismo como redator e secretário de redação da Folha de Goiás, redator do Diário da Tarde e do Diário do Oeste, dirigindo suplementos literários desses jornais antes citados e do Jornal de Notícias. Membro da Associação Nacional de Escritores, em Brasília. Foi um dos primeiros a fazer experiências concretistas em Goiás, e parte de sua obra está inserida conceitualmente na Geração de 45, sobretudo pelo seu livro de estréia, que traz traços cabralinos. Trata-se de uma poesia que, inegavelmente, contribuiu, pela ousadia de abarcar avanços estilísticos em prática em outras regiões, para oxigenar com o ar da modernidade a poesia goiana.
Bibliografia: O cego, Bolsa de Publicações da Associação Brasileira de Escritores/seção de Goiás, 1959; Goiânia: sonho & argamassa, Companhia Editora Social Indústria e Comércio, 1959; Gagárin e Shepard/combateremos o sol, s/editora, 1961; Canções do adivinho, 1968; e Romanceiro Goiano, s/editora, 1971.

22 de julho de 2007

Novo poema

Se há ruídos detenções nos hangares
fuselagem mãos em carvão nos entrepostos
explicações às dúvidas de Orfeu
não vêm com os torsos de morte ou de alegria

Se há amplidão, fora de mim ela se esgota
E não há outra procura, outras perdições
Se houver outros guerreiros, outros heróis
em minha história não transitam

Não digladio com as ferramentas dos cuteleiros
E certamente forjam com fogo
e certamente martelam martelam
à espera dos guerreiros

Não me irradio com as lâmpadas
que certamente trouxeram ao Levante
Deixei-me sem a combinação das palavras
Deixei-me sem balas e o bônus de uma mão

Se há lugares para ilustrar plumas de explosões
fora de mim tudo se ilustra
Se há pólvora e se há herói
fora de mim tudo pensa fogo e tudo vence

@ Salomão Sousa

10 de julho de 2007


Poxa, este meu blog completou um ano e nem teve comemorações!!!

Escrevi hoje para a página virtual de Silvânia (www.silvaniense.com.br) uma pequena croniqueta para afirmar a necessidade de esta cidade histórica estar presente, de forma mais precisa, na consciência dos brasileiros. Abraços ao Cleverlan. E obrigado ao Antonio da Costa Neto pela foto da igreja.


No final da década de 60, a ditadura decidiu investir algum resto de recurso no interior do País para disfarçar suas perseguições políticas. Silvânia já perdera filhos nas guerrilhas e sequer notou que aquelas sobras de orçamento chegavam para investimentos que desfigurariam ainda mais o seu retrato histórico. Com a construção de monstrengos de concretos na praça do Rosário — uma passarela que não leva a lugar nenhum (cansei de subir e descer e retornar sem nada encontrar) e uma fonte luminosa que até hoje deve dar dor de cabeça aos administradores para que permaneça ligada —, mais patrimônio histórico foi ao chão.

Naquela época, eu estava saindo das calças curtas, sem ninguém para me orientar para lutas mais específicas que mirassem o patrimônio histórico. Consegui, com minha pouca desconfiança de princípios de cidadania, publicar o primeiro poema, que retratava o desconforto de perder o coreto, a torre do relógio e as árvores centenárias. Ainda que sejam replantadas, não serão as mesmas as murtas que recendiam odores adocicados sob a pouca luz elétrica produzida pela usina municipal.

Agora Silvânia está até no ambiente virtual, com as paredes da igreja do Senhor do Bomfim remoçadas de branco. Na praça em frente, onde foi o antigo cemitério, as crianças — e, entre elas, eu —, em meio à poeira, jogavam conflituosas partidas futebol. Nos fundos, naquele pequeno círculo fechado por grosso muro de barro, brincavam com fincas e com bolinhas de gude. Aboletavam-se sobre o muro quebrado, olhando a fundura do Buraquinho, imaginando quanto ouro expatriado, quantos escravos mortos para arrancá-lo. Ali, esvaziadas de riqueza, coçando as perebas.

Torço para que esta ambiência virtual contribua para a formação da consciência cidadã das novas gerações silvanienses. E digo mais: novas gerações que se preocupem com a saúde física e cultural. Sempre me lembro do Japão do pós-guerra: encaminhar-se para a modernidade sem extinguir as raízes históricas.

Desejo longevidade à página e aos mantenedores. Parabéns.

5 de julho de 2007

poema de VANESSA PAIVA, amiga de Juiz de Fora (MG

Eu quero saber do que está perto,
Do que quase me toca, sopra, venta

Eu quero saber do que me cheira,
Me olha, me atenta, e aqui estou, à mostra

Eu quero saber do que não importa
Aos grandes, mas do que ficou na gaveta
Do que cheira guardado – pó – do que está
Por debaixo das coisas

Eu quero saber dos rascunhos, das palavras ditas,
Dos gestos no ar, das despedidas, dos
Abraços lançados via vales-presente, desenhos de beijos,
mensagens telegráficas, gravadas, audiovisuais,
Vídeo-tele-conferência, centrais, webcams, cartões postais gerais (qualquer lugar).
Dessas coisas de banca, esquina, lan, grandes salas, teatros, escolas, todos os não lugares, lugar nenhum.

Que são esses lugares? Que me trazem? Por onde saio?

Quero saber o que é isso que me provoca e me fere,
Isso que não se deixa ver
Mas que, escancarado, me engole.

E salto, sim, para o fundo.

3 de julho de 2007

lançamento em Silvânia

A caravana pegou a estrada para o lançamento do meu livro "Safra Quebrada", em Silvânia, no último dia 30 de junho. Vários amigos foram para o evento — Antonio Miranda, Fábio Coutinho, Robson Correa de Araújo, estes dois últimos com as esposas Bizé e Beth. De Goiânia, não podiam faltar Vassil Oliveira e Euler Belém, e eles fizeram a caravana de Goiânia.
O evento seguiu o script. O Palas, sob a batuta do Edmar Cotrim, emocionou todos os presentes. Arrancaram sangue deste poeta. Maravilhosa a decisão de fazer banners com meus poemas para exposição itinerante em escolas e em órgãos públicos.
O Célio Silva nos chamou para o "Giro da Cultura", na Rádio Rio Vermelho, que ele dirige. Uma hora e meia de debate sobre a imprtância do Palas como agente disseminador e formador de cultura. Tá gravado.
Deixo os detalhes da festa para outros divulgarem e analisarem. Como homenageado, sou suspeito. Mas foi uma festa insuspeitável!
De nossa estadia em Silvânia, escolhi cinco fotos para ficarem gravadas na memória.
Antes de tudo, as folhas sobre as águas, vazadas pela luz do sol. Assim começou a minha poesia.
Depois, eu e o Antonio Miranda escorados no Beco da Dona Nina. Por aqui, escapei muitas vezes para o rio Vermelho, para a cerâmica e para a Serrinha.
a 3ª foto, da Carol. Leu toda a minha poesia. Deve ser por isso que ela aparece aí tão reflexiva. Ela fica aí representanto todo pessoal do Palas.
A 4ª, uma foto do beiral com buchas. Esta é uma paisagem que trouxe sempre comigo, quando me lembro de Silvânia.
E a 5ª, a minha esposa Chiquinha, com o Vassil, no meio da Rua. A família e os amigos de Goiânia.
Menos a foto das folhas sobre a água, que é minha; as demais são do poeta e fotógrafo Robson Corrêa de Araújo.
Ficam faltando as fotos das caminhadas, do Giro da Cultura e do próprio lançamento. Mas, tanta coisa, fica apenas a representatividade.




Dois lançamentos de livros nesta semana, de autores de Brasília.

No sábado, dia 7 de julho, a partir das 18 horas, lançamento do livro "O champanhe", do meu amigo Adrino Aragão. Será na livraria Sebinho (406 norte), organizadora do III Festival de Inverno
da Rua da Cultura. Eihn!, Adrino, o Nilto Maciel "devias vir", como diz o cancioneiro!

E nesta quarta-feira, 4 de julho, a partir das 20 horas, noite de autógrafos do livro "Eva - Poesia em Verso e Prosa", de Amneres (Bilau). Acontece no Bistrô Bom Demais, no CCBB.
Por volta das 21 horas, a autora fará recital especialmente para os convidados que comparecerem.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...