28 de outubro de 2011

Alexandre sem herói

Alexandre, poucas seriam as chances
de seres grandes num mundo
em que os jovens aboliram todos os heróis!
Com 33 anos ainda estarias vivo
e com grandes chances
de morrer de uma cirrose aos 30,
sem teres fundado nenhuma Alexandria.
Passarias as noites bêbado
na praça de uma cidade,
infernizando a quietude
com os 15 mil watts de som
em sofrível cum-cum-cum
de acabar com qualquer um.
Em tédio passarias teus dias,
dormindo à larga até as 3 da tarde,
sem conquistas, sem listrar o mapa
com os roteiros de tuas guerras.
Estarias nas asas de um pai,
retardando o primeiro emprego,
aos 29 estarias aguardando
uma lei que lhe garantisse
a gratuidade da passagem
em todas os ônibus, em todas as naus.
Não serias um mochileiro,
ou um guerrilheiro em Serra Leoa.
Serias um cafetão da própria mãe,
esperando que ela lhe trouxesse
o salário mirrado da diária.
Ou estaria na sua C-10, na sua Hillux
passando por cima dos mendigos,
incentivado pelo pai que se esqueceu
que o homem se constrói
em cada ação da infância,
em cada honradez da juventude.
Ai! Alexandre, não terias o teu Aristóteles!
Ai! a Ásia, as pequenas cidades do sul de Goiás,
do Norte de Minas, da beira mar da Bahia
prefeririam as tuas invasões, Alexandre,
a estas hordas bêbadas, violentas,
insurdecedoras de inutilidades!

6 de outubro de 2011

Adônis

Neste dia em que foi divulgado o prêmio Nobel de Literatura de 2011, que coube ao sueco Tomas Transtromer, aproveito para postar um poema de Adônis, poeta sírio, que esteve cotado para receber o prêmio. A literatura árabe, sobretudo a poesia, é muito pouco traduzida. E há uma forma muito rápida de encontrar a simplicidade, com exatidão em seus textos. Ainda agora estou lendo de novo Maalouf (Leon o Africano, em espanhol, pois acredito que ainda não há tradução em português). E logo no primeiro parágrafo, este achado de incontrolável beleza:
Sou filho do caminho, caravana é minha pátria e minha vida a mais inesperada travessia.


A tradução do poema foi a partir do espanhol




CELEBRAÇÃO DO DIA E DA NOITE
Adonis (Ali Ahmad Said Asbar)

O dia encosta a cancela de seu jardim,
lava os pés e se envolve em seu manto
para acolher a sua amiga noite.

O crepúsculo avança lentamente.
Há manchas de sangue em seus ombros;
em sua mãos, à beira de murchar,
uma rosa.

Ruidosa avança a aurora.
Suas mãos abrem o livro do tempo
e o sol passa as páginas.

No umbral do ocaso
o dia rompe seus espelhos
para conciliar o sono.
 
Os momentos são ondas do tempo.
Cada corpo uma praia.

O tempo é o vento
que sopra dos lados da morte.
 
A noite veste a camisa da noite.
O dia a descobre.
 
É a alba:
na sacada as flores roçam os olhos;
na janela,
ondeiam as tranças de sol.
 
O dia vê com as mãos;
a noite vê com o corpo o corpo.

Se o dia falasse,
anunciaria a noite.
 
Suave é a mão da noite
nas tranças da melancolia.

O dia não sabe adormecer
fora do regaço da noite.
 
Concedeu-me a minha tristeza
ser uma contínua noite.

O passado,
lago para um único navegante:
a lembrança.

A luz: vestido
que às vezes tece a noite.

O crepúsculo: a única almofada
em que se abraçam o dia e a noite.

A luz só age desperta.
Só adormecida age a escuridão.
 
Com os sonhos da noite tecemos
os trajes do dia.


uma reorganização num poema já postado


se ninguém nunca
formular o convite
nunca haverá desfrute
e é quando se acende a luz
e acaba o lado escuro

não haverá conhecimento
do horto da fruta
cairá dentro da angústia
o eixo que se desfibra
se o convite é a fala muda

vem o convite para os vôos
e há o enfrentamento do sutil
e do inútil
o corpo suave às baixezas
e às alturas

o corpo da cidade
é um desconjuntado
relógio de luz
e aquele que aguarda
é só um ponto fixo e escuro

vem o convite e o tempo induz
a alargar-se
o desconvergido prumo
e o escuro acolhe o fluxo 
de um calor de um flux

2 de outubro de 2011

Resistência

Agradeço aos amigos Sérgio Muylaert (amigo desde os tempos iniciais do José Godoy Garcia e da publicação de Ofício de Agoco, com Stela Maris Rezende Paiva e Aglaia Souza) e Marselha pela recepção na sexta-feita (30.9.2011). O encontro que era para ser leitura de poesia (informalidade), se transformou numa efusiva revivescência da história de resistência do País, pois estavam presentes Acilino Ribeiro (guerrilheiro, que chegou a integrar a guarda de Kadafi), o jornalista Jarbas Silva Marques (torturado da resistência brasileira, meu amigo desde os tempos de nossas relações com o poeta José Godoy Garcia, outro que, mesmo depois de falecido, foi incluído entre aqueles que receberam indenização pela perseguição política), Luiz Fenelon (também militante) e, ainda, Maria Auxiliadora (trabalha com assuntos cubanos na UnB), e a poeta Consuelo Gontijo (aguardamos a publicação de um livro). A Consuelo vem com a literatura de Brasília desde os saraus do poeta Esmerino Magalhães Jr. Por aí, podem imaginar o que rolou de conversa! Fico devendo a foto da Consuelo e da Maria Auxiliadora (foi tirada com o celular e ficou muito danificada, prejudicando a postagem).

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...