Enquanto o tempo passa modorrento sobre a minha produção poética e não publico uma resenha que está pronta sobre o livro O punho e a renda, de Edgar Telles Ribeiro (não muito favorável, diga-se de passagem), por falta de espaço em jornal, posto aqui a tradução que fiz de um poema do espanhol Jaime Gil de Biedman, que julgo excepcional pela temática.
AMIZADE ETERNA
Jaime Gil de Biedma
Passam lentos os dias
e muitas vezes estivemos sós.
Mas logo vêm momentos felizes
para fazer amizade.
Veja:
somos nós.
Decididamente um destino conduz
as horas, e brotou a companhia.
Chegavam as noites. Por amá-las
nós incendiávamos as palavras,
as palavras que logo abandonamos
para elevarmos mais:
começamos a ser companheiros
que se conhecem
acima da voz e dos gestos.
Agora sim. Podem elevar-se
as palavras gentis
— essas que já não dizem nada —,
flutuar ligeiramente no ar;
pois nos encontramos enlaçados
no mundo, lenhosos,
de história acumulada,
e está plena a companhia que criamos,
frondosa de presenças.
Atrás de cada um
vela a casa, o campo, a distância.
Porém, silêncio.
Quero dizer algo.
Apenas quero dizer que estamos juntos.
Às vezes, ao falar, alguém esquece
seu braço sobre o meu,
e ainda que esteja calado, agradeço,
pois há paz nos corpos e em nós.
Quero dizer como trouxemos
nossas vidas aqui, para contá-las.
Largamente, uns com os outros
no canto falamos, por meses!
que não compreendemos bem, e na lembrança
o júbilo se parece com a tristeza.
Para nós a dor é terna.
Ai o tempo! Tudo já se compreende.
A poesia é meu território, e a cada dia planto e colho grãos em seus campos. Com a poesia, eu fundo e confundo a realidade. (Linoliogravura do fundo: Beto Nascimento)
15 de janeiro de 2011
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