Em continuidade aos meus estudos sobre o fascismo/totalitarismo contemporâneo, li o livro O homem mais perigoso do País, do brasilianista R. S. Rose. Trata-se de uma biografia política de Felinto Müller, que foi chefe de polícia de Getúlio Vargas e depois senador da ditadura de 1964. Saiu de Mato Grosso já obstinado em entrar para a escola militar. Faleceu em 1973 num acidente de avião, ao chegar em Paris. Estava tratando, na época de sua morte, da substituição do ditador Médici pelo também ditador Geisel. Podemos dizer que todo mundo se cerca de pessoas nefastas: Juscelino Kubitschek chegou a visitá-lo em 1959 no hospital, pois eram colegas de partido.
É assustadora a leitura, pois aí se encontra toda a gênese do ímpeto totalitário brasileiro - esse desejo de controlar tudo, de abolir pessoas, de apossar dos bens públicos. Assustadora essa mentalidade, e depois ainda nos denominamos cidadãos afáveis e cordiais. Não enxergamos que estamos sempre dispostos a abolir e a desrespeitar o outro. Não respeitamos sequer a vizinhança da porta ao lado, quanto mais o adversário político - logo enfiamos uma bucha de mostarda no sexo do adversároi se não concordamos em ele. Julgamos que só nossa facção deve existir, tenha ou não razão.
O livro aborda temas pouco ou nunca aprofundados e que até falta material para tratamento mais elaborado pelos historiadores. Mas pude ver que existem teses universitárias que se preocupam com algumas questões levantadas no livro. É o caso do artigo O Tribunal de Segurança Nacional e a sua atuação no Brasil dos anos 1930 e 1940, de Júlia Kertesz Renault Pinto, que está disponível na internet.
Por exemplo: ninguém fala abertamente do Tribunal de Segurança Nacional, que era o STM de Vargas, incumbido de julgar e sumir com adversários políticos - fosse ele policial, militar ou civil, pobre ou rico. O pobre estava e está perdido: pegavam pessoas de rua para as aulas de tortura. Estão no Arquivo Nacional todos os documentos desse TSN, que devem ser monstruosos, pois foi monstruosa a sua atuação. Podiam encaminhar presos políticos para trabalho escravo em fazendas de familiares de políticos. Assim fica perpetuada a fórmula: contratação de fantasmas pelos gabinetes de políticos. É urgente desamarrar essas práticas da politica nacional. Qualquer cabinho eleitoral acha que se tornou um coronel de sua rua, ficando acima da lei. Governadores se proclamando eliminadores do crime através da eliminação física sem a participação da Justiça. É a mesma tradição da polícia de Vargas.
Por exemplo - o Departamento Especial de Segurança Política e Social (DESPS), que fazia e acontecia com seu aparato de tortura, daí onde nasceu o SNI. Trouxe militares franceses e alemães para ensinar práticas monstruosas à polícia brasileira. Adotaram uma cadeira americana para práticas de tortura. Sentavam o prisioneiro nessa cadeira americana e, quando a acionavam, o preso era atirado na parede com todo ímpeto. Para não mancharem a roupa de sangue, os policiais participavam sem farda das sessões de tortura.
Por exemplo: o Quadro Móvel (um departamento policial, que não era visível na estrutura de governo, incumbido de desaparecer com presos políticos). Esse Quadro Móvel, que era uma Gestapo de Vargas, motivaria o surgimento dos esquadrões da morte que infestam o país de Norte a Sul. O Quadro Móvel executava as ordens dos governantes e nenhuma autoridade precisava responder pelas atrocidades, pois poderia alegar que não tinha conhecimento daquilo que mandou executar. Os governos sempre procuraram restabelecer essas gestapos: Bolsonaro queria criar um grupo de militares para defendê-lo na Esplanada, o governador do Distrito Federal queria criar um batalhão para cuidar da Esplanada. Desses pequenos núcleos nascem as piores gestapos. A definição para Gestapo também serve para definir o Grupo Móvel (A Gestapo foi a polícia secreta da Alemanha nazista, sendo responsável por realizar a perseguição e o silenciamento de todos os grupos que pudessem representar algum tipo de ameaça para o controle dos nazistas).
O livro demonstra como atuam as figuras hipócritas para que existam os regimes de exceção. Nesse caso, a hipocrisia passou a grassar no Brasil após os ensinamentos de Getúlio Vargas. Ficou fácil para o golpismo, pois Vargas mostrou como montar o aparato fascista pelas portas dos fundos. Controle total da imprensa... Se existissem as redes sociais, o regime totalitário de Vargas teria inventado a fake news.
E a hipocrisia permanece e reina na nossa elite, nos nossos quartéis, nas escolas militares. Precisamos conhecer melhor o nosso país para nos libertarmos da hipocrisia totalitária. Da hipocrisia de querermos dançar só com generais.
Quem leu a recente orientação ideológica de formação fascista pelas escolas militares? Quem propôs homenagens a ditadores em diversas universidades e assembleias brasileiras? Quem montou a homenagem a Otávio Lage no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás - IHGG - esse governador de garantia da ditadura no Estado de Goiás? Enquanto intelectuais participarem de potfólios de figuras totalitárias não vamos amadurecer a nossa democracia. Enquanto não abolirmos as homenagens a Felinto Müller dos nomes de monumentos e de ruas, estaremos compctuando com as atrocidades que se comete em nome da política.
Indico o livro O homem mais perigoso do país, pois precisamos ter consciência de que precisamos melhorar a nossa compreensão de prática e de participação política.

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