9 de abril de 2019

Nirton Venâncio e Marcos Fabrício


Poema de Nirton Venâncio



Por diversas razões, aguardo com ansiedade os lançamentos de novos livros de poesia. Primeiramente, é oportunidade de reencontro corporal com pessoas que trazem afinidades de experiência e desejo. Não compareço a um lançamento para me opor, mas para me recompor com a presença de outros iguais a mim e com a poesia, que sempre será diferente em cada autor.

Dois lançamentos. Eu aguardava um novo livro de Marcos Fabrício depois de conhecer o que ele lançou em edição artesanal pela Avá. Surpreendeu-me que ele retomasse ali o poema processo e a poesia concreta. Conseguiu bons efeitos e foi uma experiência para compreender a forma de busca de métodos de composição, já que vivemos um momento em que a poesia não exige tanta oralidade.
Confesso que o novo livro não atendeu toda as possibilidades que Marcos Fabrício tem para apresentar um livro com voz própria. Ele conseguiu definir um projeto, mas a execução ainda ficou amarrada a questões com as quais Brasília vem se debatendo a algum tempo. Poderíamos dizer que questões presentes desde a época do nascimento de Marcos Fabrício. Brasília, poderíamos dizer, é um tanto egocêntrica. Tem uma excessiva mania de ser cantada pelos seus autores. E, para isso, os poetas se aferram demais ao poema instantâneo de Oswald de Andrade e de Manuel Bandeira do Mafuá do Malungo. Brasília tem mania de consagrar o fácil. Fácil para compor, fácil para fazer. Só que o fácil se perde muito fácil.

De avanço no livro de Marcos Fabrício sobressai de positivo o andamento meio funk e hip-hop de alguns poemas. Quem sabe isso possa inserir melhor andamento aos poemas de seus próximos livros. Basta ver o poema “Coração na banguela”. Mas quase a totalidade do livro não passa de aforismos, em forma de mensagem de rede social, que nem sempre traz a carga de um hai-kai. Mas, tenho certeza, Marcos Fabrício foi seduzido por uma linha tradicional da poesia de Brasília, sobretudo relacionada à Poesia Marginal, e tem sabedoria para construir, com trabalho, uma obra própria, com menos gracejo e mais poesia.

Assim como tenho um carinho especial pelo Marcos Fabrício, que incluí recentemente no rol das pessoas de meu afeto especial, Nirton Venâncio anda comigo há muitos anos pelos recitais do Coletivo de Poetas. Confesso que não tinha me debruçado com melhor intropectividade sobre sua obra. Nunca consigo entender um poema só pela oralidade. Depois que a comunicação adotou meios para se apresentar visualmente, a poesia, para mim – e acredito que para muitos outros – tem de ser compreendida sobretudo pela visualidade.

Nirton Venâncio

Eu e o poeta Nirton Venâncio andamos há muitos anos pelos ambientes culturais de Brasília para participarmos dos recitais do Coletivo de Poetas. Confesso que até o lançamento do livro Poesia provisória não tinha me debruçado com melhor introspecção sobre sua obra. Nunca consigo captar todos os recursos de construção do poema só pela oralidade dos recitais. Depois que a comunicação adotou meios para se apresentá-la visualmente, a poesia, para mim – e acredito que para muitos outros – tem de ser compreendida sobretudo pela visualidade. Surpreendente a poesia do recente livro de Nirton Venâncio, desde a leitura de cada vocábulo às possibilidades das assonâncias e associações metafóricas de cada expressão. Poesia provisória foi elaborado ao correr de muitos anos e isso possibilitou cada palavra, cada gestual das metáforas estarem nos locais corretos. É uma lírica sem excesso, sem ter se prejudicado pela experiência da oralidade dos recitais, que é onde Nirton Venâncio gosta de estar. Muito pelo contrário. A poesia se impõe com introspecção limpa, questionadora de si mesma. Traz poemas que irão constar para sempre do nosso imaginário. “Bússola” trabalha com imagens antagônicas; “O morto” esclarece que o poeta é um trabalhador que pega uma madeira, uma medida de barro ou pedaço de pedra, e lamina algo com todos os contornos exatos. É isso. A poesia é muito mais que ver o lençol no varal. Tenho certeza que os admiradores dos irmãos Campos vão ficar com inveja do lençol no poema “Quimera”. Nirton Venâncio, já estou aguardando pelo anunciado próximo livro. Sei que esta nota é excessivamente econômica pelo que representa o livro Poesia provisória e a figura ativa, exemplar de Nirton Venâncio e o que o trabalho dele significa e dignifica a cultura brasiliense. 


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