A poesia é meu território, e a cada dia planto e colho grãos em seus campos. Com a poesia, eu fundo e confundo a realidade. (Linoliogravura do fundo: Beto Nascimento)
1 de abril de 2012
Releitura de "Claro enigma"
Eu diria que cresci ao som de Drummond. Mas a frase soaria falsa, pois só comecei a lei poesia por volta dos 14 anos. Decidi reler "Claro Enigma" numa edição melhor, agora no relançamento da Companhia das Letras. A edição ainda tem algumas capengagens. O papel - é previsível que vai amarelar logo logo. O posicionamento dos poemas bem que poderia ser centralizado. Não dá mais para fazer livros de poesia com os poemas sufocados na margem esquerda. Mas é um encanto reler o Drummond, sobretudo este do "Claro enigma", em que se antecipa - com "Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima - a novas vertentes da poesia brasileira. Ele chega a citar Orfeu no soneto "Legado". Mas em todos os poemas sobressaem versos de elevada construção, dos melhores da Língua Portuguesa, e do melhor humanismo da literatura. Já no soneto "Confissão" sobressaem os primeiros versos (Não amei bastante o meu semelhante/não catei o verme nem curei a sarna.) E o verso extraordinário da última estrofe, que se desdobra no seguinte (Não amei bastante sequer a mim mesmo,/contudo próximo). O inesquecível poema "Um boi vê os homens" - só poderia ter sido escrito por um mineiro, por um humanista. Veja um verso de inecedível atualidade (o boi refletindo sobre os homens: ...E ficam tristes/e no rasto da tristeza chegam à crueldade). E como vivemos a crueldade! E nem precisamos tocar nos versos de espectrações de dolorosa modernidade de diversos poemas, sobretudo do imortal "A máquina do mundo". Ai releitura! Releitura de Drummond.
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