21 de abril de 2009

A vida é sonho

DEIXO AQUI MINHA PRIMEIRA TENTATIVA de tradução da parte famosíssima da peça de Pedro Calderon de la Barca. Busquei manter a rima e o andamento dos versos. Não quero rivalizar com a tradução de Renata Pallotini (ver edição da Hedra), que modernizou alguns versos e furou umas duas rimas. Acredito que, para melhor compreensão da fala de Segismundo, é necessário sempre citar o fecho da fala anterior de Clotaldo, pois é deste fecho que surge todo o razoamento posterior:

Clotaldo

(...) ainda em sonhos
não se perde em fazer bem.

Segismundo

Certo; então reprimamos
esta fera condição,
esta fúria, esta ambição,
pois talvez ainda sonhamos.
E assim faremos, se estamos
em mundo tão singular
que viver não é mais que sonhar,
e a experiência, risonha,
diz que o homem que vive sonha
aquilo que é até despertar.
Sonha o rei que é rei, e vive
com este engano mandando,
dispondo e governando;
e aquele aplauso, que, breve,
recebe, no vento se escreve
e em cinzas o converte
a morte: desgraça forte!
Existe quem tente reinar
vendo que irá despertar
dentro do sonho da morte!
Sonha o rico em sua riqueza,
que mais zelos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e sua pobreza;
sonha o que inicia a destreza;
sonha o que afana e pretende;
sonha o que agrava e ofende;
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
e que é assim ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
destes grilhões carregado
e sonhei que em estado
mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida?: um frenesi.
Que é a vida?: uma ilusão,
uma sombra, uma ficção;
e o maior bem é bisonho,
que toda a vida é sonho,
e os sonhos, sonhos são.

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