19 de dezembro de 2014

Delirium Tremens




Trata-se da edição da renga Delirium Tremens (ver e-book do livro), feita a seis mãos com Poesia Iberoamericana Antonio Miranda e Zenilton Gayoso, pelo selo Poexílio, do Antonio Miranda. São edições totalmente artesanais, raríssimas. Quatro exemplares para cada autor. Logo divulgaremos o e-book do livro. São treze poemas de cada autor e as gravuras instigantes do Zenilton Miranda. Foi uma honra dividir este trabalho com dois amigos tão valiosos e talentosos. A parceria ainda renderá muitos frutos.

7 de novembro de 2014

Mão



Se este é o desejo/a tua reclamação
dar mais lírica aos poemas e à cidade
Enchê-los de pessoas para trompaços
e uns com os outros andem pelos braços
Dar o Jesus que não exige chagas
que dá campos abertos cheios de avestruzes
e grandes ovos para as ceias
Tanta generosidade pra dar/fertilidade
tolerância/o voto/dá o calor do fogo
com a madeira/dá tua mão/beijus
qualquer graphia antiga/filiação
de qualquer transexualidade/dá
dá a luz se queres atravessar com claridade
Se tens de escavar alguma velharia
traz um sufixo antigo/filia/e se mais
antigo/philia/dá a lírica da amizade
a rima unida das casas/da vizinhança
desligando o motor/tirando a cruz das costas
Tanta lírica amiga!/rima/vamos ser generosus/
desmilitarizados/sem gênero/philia-te
Usa a mão de teu filho para teu registro
Não haverá desfibrilação se outro não apertar a tecla
Taí a minha rima/a selfie de minha mão

3 de novembro de 2014

Uagadugu



Dizes que primeiro está quem amas
e em segundo teu estrato de alumínio
de cobre para o numerário/o extermínio
mesmo que tua força não aceite a invasão
e tua flâmula não esteja alçada ao parlatório
do determinado dia/E de alguma franja
te esqueces ou metes no torneado do mapa

Cai o prepotente diante da gente de Uagadugu

Entre tu e as estações da disputa
trafega a euforia/e não veste pele
de animais ou lota vagões atingidos pela derrota
Tremula o desejo/emula o que passa
entre os estratos sociais/Não cintila
pois não é atingível tão rápido pela deposição
Entre os espelhos/as praças/que cintilas
nas preferências/o vento perpassa uma areia

Nem sempre a praça é a de Uagadugu/Fu

Não somos o vento para revolver
com a facilidade da ausência/para depositar
sem mostrar as mãos/Por mais selfie
que o rosto se dejete/a mão tem de eleger
a boca tem de aclamar/o corpo ondular
na hora de lavar o túmulo/A tua boca ausente
pode ser uma arma/Depois a esgrima
será com teus olhos na festa da lágrima

Tu e eu/a divergência/Aqui ou em Uagadugu

18 de outubro de 2014

VI Festival de Poesía Las Lenguas de América Carlos Montemayor

Participei no dia 9 de outubro de 2014 do VI Festival de Poesía Las Lenguas de América Carlos Montemayor, que aconteceu na Sala Nezahualcóyotl, da Universidade Nacional Autônoma do México, com a presença de 3 mil expectadores. Demais poetas convidados: Natalia Toledo e Irma Pineda, que apresentaram o festival, e Hugo Jamioy (kamsá, Colombia); Sheri-D Wilson (inglés, Canadá); Adriana López (tzeltal, México); Vito Apüshana (wayúu, Colombia); Renaud Longchamps (francés, Canadá); Isaac Carrillo (maya, México); Joséphine Bacon (innu, Canadá); Liliana Ancalao (mapuche, Argentina); Ruperta Bautista (tzotzil, México); Mardonio Carballo (náhuatl, México), y Antonio del Toro (español, México). Do noticiário: “El Festival estuvo cargado de emotividad, los versos giraron en torno a diversos temas: el amor, el desamor, la injusticia, las anécdotas entre padre e hijo, las sonrisas, el erotismo, la sexualidad, así como la percepción de la realidad social actual, ejemplo de ello fue el poeta brasileño Salomão Sousa, quien se encargo de abrir el Festival, a la vez que mandaba mensajes de apoyo y solidaridad al pueblo mexicano”. Paralelamente, participei de uma mesa redonda da TvUNAM, e de um programa especial da Radio UNAM. Além de ter tido oportunidade de conhecer a Cidade doi México, com seu belo centro histórico e ainda a cidade astecas, com suas pirâmides.





9 de outubro de 2014


temor de viver só numa fotografia
articulada/crestada com artifícios
não ter passado por uma bruma
por um dorso/pelas arcadas da avenida
por onde anda a sensatez/ser arco
inflexível a atirar ao acaso
o medo de um vizinho ruidoso/cheio
de espuma das noites bêbadas
sem a tez do suor/as mãos que saúdam
que não articulam os gestos da degola
o ridículo de uma representação oficial
quando o diálogo não foi/não flui
outra vez o temor do empacotamento
dos homens todos/nas máquinas
nas casas cercadas por segurança/
apartamentos a trancas/a barras/a traves
outra vez o ridículo da interpretação
ouvir os homens anchos/acham que
não pode acontecer/o ridículo de pedir vez
de entrar num shopping/na universidade
outra vez o temor/outra vez o ridículo
destrinchamentos/destazados estudantes 
em Iguala Guerrero/na cadeira do dragão
e outra vez Gelman vai estar no exílio
e se alguém vai estar morto/outra vez
na forca de uma cela o novo herói 

V Festival de Poesia Carlos Montemayor

Ao comparecer ao México neste início do mês de outubro para o VI Festival de Poesia CArlos Montemayor, da UNAM, estive nas pirâmides astecas e compareci ao lançamento do livro Telar Luminario, de Ruberta Bautista, poeta tsotsil, de Chiapas. Deixo aqui o poema que dá título ao livro. Tão logo retorno ao Brasil, farei um elaboração melhor sobre o estival.

Tear luminário

Chuva de fogo a enramar-se
no ouvido das árvores.
As chamas a se fiarem nos montes de cor púrpura,
estendem suas artérias.

Tece canto forte
No estômago da terra.

Estrela circular acesa em seu coração.

Nas veias se incrusta o tear do trovão,
entidade do fogo forja-se em seu corpo.
Com seus dedos fia e tece
a luz que cruza o céu.

6 de setembro de 2014

Iguaba

Não se acaba em Iguaba,
talvez tenha principio a travessura
do esquecimento, sementes
que não serão levadas
para o infrutífero continente.
Não se acaba próximo à mão.
Uma cova sente o abandono
em transbordos sob a chuva,
sob o solo nenhum prenúncio de raiz
no território desconectado, desa
marrado da volúpia de gestar.
O estuário do perfume aguarda
com a performance do inodoro.
Se alguma pele se oferece
falta sarna para enfurecê-la de verniz.
As palavras se exaltam, se oferecem
e as mensagens não serão proclamadas.
Não se acaba próximo ao lábio.
Faltam as abelhas, a cera, o cismo
de recompor as tábuas de registrar
a branca memória. Esforço
de recompor o princípio, a falha
de compartilhar a fala e a solidão
que as telhas recobrem, ainda que
noite e penúria. Onde nada se acaba,
onde fortes vigílias, onde bocas de metal,
o furor das abelhas, mel e lábia,
brotos selfies em postagens,
a frutificação na paisagem.

3 de agosto de 2014

Busco não passar pelos campos
deletar da lembrança os cogumelos
iguais a grandes chapéus
a reter a umidade da noite
e insistem em serem esmagados
ao arrojo de meus pés
Colheita de verde e névoa
Fora para não transitar
na estrada da demência, dos sátiros,
e aí está o asfalto enodoado
de óleo e cuspe para levar
estudantes/caixotes de herança e cravos
Brigo com a insensatez
e ela escava em meus nervos
Podia não existir a invenção
e selfie me mostro onde sou inexato
Era para não ser o verme
e ele come nas minhas narinas
se enxerta nas minhas palavras
Era para não ser a artimanha do cuspe
e ele enodoa os meus lábios
a cama em se que distende o homem
Não pedi o diálogo e a compreensão
e tudo fala e pula e se aclara
entre o que existe de façanha
e de estorvo nos escritórios e nos berços
Para que a vitalidade no talhe
e nos extremos de um mar
e a vida me assume e me assanha
e me acasala no esplendor
da relva e dos corpos

Pedir o fulgor e o fogo
é não saber queimar e existir

Já estou a postos para o dia.
Venha a tua vigília, a tua provocação,
o silêncio interpretativo do repouso
do caracol recolhido em sua casa,
do caminho esquecido em seu musgo....

Move-se o galho em minha sacada
para o canto do pássaro que agora voa.
Destravam-se os ferrolhos
ao que agora em si o canto se descasa.
De desperdício nem o da luz
que o corpo de um homem não antepara.

Corteja em mim a claridade,
a espera pelo que invada
a estrada de visgo em minha porta,
em minha linha do tempo.
Estou pronto para a invasão do que vive.

6 de julho de 2014

Vamos duvidar
Duvido que a água do rio virou lama
Duvido que a casca de banana é de vidro

Vamos duvidar
Duvido que a árvore possa ser feita de cola e papel
Duvido que alguém tenha vencido o Valfrido

Vamos duvidar
Duvido que alguém vá ficar aqui até dar flor a goiabeira
Duvido que o vento livre queira viver preso num cilindro

Vamos duvidar
Duvido que o tempo viva preso no relógio
Duvido que os reis não existam nos tempos antigos

Vamos duvidar
Duvido que o cachorro acredite na minha palavra
Quem acredita cai no buraco de vidro que eu duvido

22 de junho de 2014

Por mim, não será dado fim ao dia, os lilases
não se incorporarão à intriga da noite.
Por mim, as paisagens desejadas 
brilharão em montanhas de ventilados verdes,
em nuvens de todos os Himalaias.

Alguns não se importam com a condução 
de retornar às ruínas de Bizâncio,
reconstruí-la com os próprios punhos.
Não escravizar os homens das aldeias
felizes debaixo das pompas de floridas faias.

Por mim, não será dada a ordem
à tropa de cercar os açoites dos vândalos.
Sejam arrancados os retrovisores,
e falhe o corujão de levar o último trabalhador.
Os homens caem. Os homens se levantam.

Por mim, pode ser oficializado o capuz.
Não induzi à fome, escapei do pau-de-arara.
Não velejei na nau que trouxe a carga
de homens recolhidos nas aldeias.
Recortei a minha telha de cara limpa.

Por mim, não caia a hera do palácio,
do muro de retornar ao campo.
Tive a face às claras no exílio de um quarto
tomado de triponossomas e pus.
Não posiciono na esquina o aparelho.

Logo as palavras em todas as redes.
Quantas vezes destruída Bizâncio
na hora do aríete e do incêndio.
Quantas vezes reerguida e renomeada
na hora do trabalho e do diálogo.




15 de junho de 2014

Em honra do que se perfilou
na primeira batalha, na audiência
que assistiu o último sermão,
mover-se para a Bizâncio
milenar, tantas vezes reconstruída
e renomeada. Por Constantino
das dominações perpétuas,
em cada cálice elevado nas assembleias,
turcos possantes para encher
o horizonte com altas abóbadas
distendem a tua fama pelos
territórios mutáveis dos séculos.
Subir as tuas vielas de puro manto
com ossos de ouro dos videntes.
Perpétuo orgulho do esplendor.
Na fortaleza, renovar a proteção
dos próximos acordos, isentos
de discórdia, de invasões, de guerreiros
envolvidos em areia de tormento.
Estocar a madeira de estender
a ponte, de vencer a truculência
do abismo e do gelo, desfile
das hordas das armadas.
Mover-se para calcificação
da vitória e da permanência da sombra,
em cada hora mudar o gesto,
alcançar outra aparência, de cicatrizes
que lembrarão novos gestos na paisagem.
Deixar um território sem destroços
em que outros circularão heróicos,
orgulho para a ordem da pele e da voz.
O pai que tossiu solitário
sem que a isca tenha sido perdida.
O que manteve a guarda ao balcão
em vigília ao estoque
de peças a todo instante reclamadas.
Dar audiência à voz do herói
que por mim morreu em Bizâncio,
na beira das capoeiras do rio dos Bois
estendeu sobre os lombos
a arreata em debruns de vernizes
cautelosos, nós resistentes
aos mais bruscos saltos.
Não falo por mim, mas pelos
heróis nus que ardem bem depois
dos ventos em ritornelo nalguma
angra, onde âncoras não descoram
no esquecimento de funduras de lama.
Onde não aguardam as naus
na veemência da podridão da madeira,
nas borradas linhas de fronteiras
os estrangeiros não oferecerão
os corações famintos às miras adversárias.
As naus circulam com a voz dos guerreiros,
dos descendentes, de engenhos
de ininterrupto moer.
Morrerá em mim o heroísmo
se afundar o barco vindo em fuga de Darfur.
Em que Bizâncio aguarda por mim
a batalha? Em que canal
a travessia para o desejo, a fundura
de ancorar-me com todas as cores
da bandeira de uma pátria?
A voz em mim é a voz do primeiro guerreiro.
O grão no armário, o cabelo luzente,
as palavras livres no parlatório.
O primeiro guerreiro me quebra arestas,
por mim seca a poça, assenta
a poeira, distende a fronteira.
Não há vitória, não há conquista,
dilação de fronteiras além de Bizâncio
àquele que só honra a inércia e o destroço.

4 de junho de 2014

Atrasei no carregamento do dia
apenas para conhecer o taipeiro
Veio dos extremos da intimidade
das florações/do dourar fiel dos cachos
Veio de amparar a água nas taipas
de reconhecer a distância suficiente
para que as sementes não apodreçam
Veio de um pátria amparada 
sobre o ouro e a clemência
Dos arrozais da riqueza de puro branco
Quer conhecer onde pisa
onde flora/onde as dívidas
merecem resgate/Levanta-se
entre todos e oferece o assento
o taipeiro clemente com as raízes
dominador generoso das águas
Dominador da coleta dos grãos
e da memória das palavras gastas






7 de maio de 2014

Nilto Maciel

Recebi hoje o último livro organizado pelo amigo Nilton Maciel e, com ele, a mensagem que ele me mandou encartada no livro. Nilton Maciel faleceu na semana passada. Questiona se teria me citado no livro, que é composto de artigos, alguns sobre outros amigos comuns nossos, dois já falecidos: Sérgio Campos e Uílcon Pereira. Me citou no livro sim, umas oito vezes. E só não incluiu a última resenha sobre minha produção poética porque o livro foi organizado antes de ela ter sido publicada em seu blog e no Jornal da ANE. NIlto, emoldurarei o seu último bilhete dirigido a mim. Aguarda-me nesse paraíso das palavras em que estás. Reserva-me um lugar ao lado de Dante e Beatriz. Claro, e você e Godoy juntos para não deixarmos morrer a gaiatice deste mundo!

3 de maio de 2014

Getúlio (filme)

Consegui ir ao cinema assistir "Getúlio", com Toni Ramos e grande elenco. Demonstra que o cinema brasileiro pode alavancar. Bom figurino, boa direção e até mesmo o roteiro. O que foi proposto se encaixa e se realiza. Podia ter entrado um pouco mais na intriga política, pois deixa a impressão que Getúlio não agiu aguerridamento para reverter a situação. Não aparecem as reuniões, as conversas, mas um Getúlio excessivamente amorfo. Mas o filme vem preencher lacunas. O cinema brasileiro questiona pouco a nossa história. E quando questiona é um tanto carnavalesco, excesso de Macunaíma e de Policarpo. Deixo uma declaração importante de Getúlio: as pessoas quando procuram o Presidente nunca pedem pelo País. Não me agradou o final, com a demonstração do populismo. O populismo precisa se extirpado da futura política brasileira.

24 de abril de 2014


redes de algas negras laminam o sono
sobre máscaras dançantes de órbitas lisas
em que estacas circulam paralisadas

cortes de arames externos nas omoplatas
há setores de expedição à distância
onde paliçadas se alinham na alvura   

deixam aberturas às cópias das mensagens

o aniversariante da noite içado
na dormência dos falhos corticoides
não se interliga às palhas das viagens

come a língua com sabor de salitre
e borralho e se interliga num cobertor
poroso de água e longas patas

o assinante das peles da dormência assadas

18 de abril de 2014

Recebi nesta semana vários livros que comprei por reembolso da editora Cosac Naif. Adoro as belas edições desta editora. Lamentável no entanto a tradução viciada de alguns livros. Em Oblomov, logo no primeiro parágrafo, aparece o horrível "cujo", que só serve para relatórios: é uma palavra de uso correto, mas em desuso. E o que está em desuso acaba soando fora de lugar.. Jamais Gontacharóv usuaria esta construção frasal. E, na linda edição de Contos de Lugares Distantes, do australiano Shaun Tan, aparece também na primeira frase uma construção completamente incompreensível. Eu não compreendo esta frase: jardim: "aquele que ninguém cortava a grama". Matou a minha vontade de ler livro. Eu não sei se é em que se é onde ou outra alternativa. As traduções a cada dia ficam menos literárias. Estou cansado do uso do verbo "nutrir" e do uso de "passante" para transeunte. Para desejo, amor, compreensão, comer, para tudo é nutrir.Dá enjoo.  E tantos outros vícios. Nunca fiz curso de tradução, mas traduzir é aproximar o texto dos usos da língua, e não querer inventar ou introduzir novos usos. 

La hora del luto = Gabriel Galcia Marquez

Poema de Salomão Sousa para a hora do luto por Gabriel Garcia Marquez

Silêncio em Aracataca..
Solidão em Macondo,
nas gengivas velhas
em Arapiraca, nos fundos
de cidades velhas
ainda que o moderno
seja o que se pede
que se faça.
O dia é de silêncio
e tudo se corrige com calma.
Quietas na sombra
de alguma algaroba,
longe dos curtumes,
neste dia as vacas
não pastam.
Até os pássaros
se recolheram
neste dia de vento parado
nas satélites
de Brasília e do México.
Só unos isolados putos
rodam autos decibéis
se no comprenden
la ciudadania
quanto mas
la hora del luto.

17 de abril de 2014

Roberval Pereyr

O livro "Mirantes", de Roberval Pereyr foi o vencedor do Prêmio Brasília de 2014. Não compareci à entrega do prêmio, pois faltou motivação aos autores de Brasília até mesmo para aplaudir os eventos da Segunda Bienal do Livro. Tudo feito à margem de Brasília como se fosse um evento nacional e não com dinheiro local, com necessidade e obrigação de refletir na localidade. No entanto, encomendei o livro e não posso deixar de aplaudir a poesia de Pereyr. Aparentemente, sobretudo pelos autores que saúdam Pereyr - Secchin, Ruy Espinheira Filho, Alexei Bueno - pode-se ter a impressão de uma poesia tradicional, sem grandes tentativas de novos caminhos. E é. Ligada à metafísica de Pessoa, ao andamento construtivo de Drummond, e com alguns laivos dos compositores do Nordeste. Até a utilização do soneto - mas como a poesia vai se cansando da invenção excessiva, há naturalmente retorno nietszchiano às antigas formas. Mas essa mistura em si já acaba resultado num trabalho de transparência individual, com ligação ao sentimento, não do mundo, mas da estranheza da supremacia do ego moderno. Destaco um verso maravilhoso, bem questionador do tempo presente, excelente como o caminho de Antonio Machado: "...mudo/conforme as feições da estrada". Gosto deste combate ao egocentrismo atual, que inscreve no homem a resistência à aceitação da diferença do outro. Quando eu reconheço a diferença do outro, em mim mesmo já tenho de me mudar e conciliar-me com o mundo. E, para terminar este imbróglio de admiração, deixo aqui um belo poema do livro de Roberval Pereyr. Vai o poema "Decisão" mesmo, que traz os versos anteriores:

Se me buscarem, não vou.
Se me ofertarem, não quero.

Se me disserem quem sou,
direi que não sou, e espero.

Direi que esperar é tudo;
e que o que espero é nada;

que quando viajo, mudo
conforme as feições da estrada.

E acabou minha estrada para continuar estas observações, pois foram escritas rumo ao trabalho. No ônibus.
Parabéns, Pereyr.


11 de abril de 2014

Tríptico do banal



Está tudo igual
que eu acabo
por fazer idêntico
ao homem de Neandertal

Se nascer juá
no meu curral
se no cós for o rasgo
na foz o raso
não deixará
de ser supuração normal

Tem gente com saudade
de praga no quintal
Tem gente tão nua
que não cabe fio dental
Dou meus lábios
para a palavra final

Para boa costura
sangro meu dedo
doo a quem não sangra
o meu dedal
ao poeta de tom soante
a rima medieva em al

O que fazer
que voz anal
para por ordem
no tríptico do banal

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...