23 de outubro de 2007

REORGANIZAÇÃO DO PROCESSO CULTURAL

Texto que escrevi especialmente para a próxima edição do jornal "A VOZ", de Silvânia (GO):

Estive em Silvânia a convite do PALAS para fazer palestra no Omelete Cultural. Fábio Coutinho, grande amigo daqui de Brasília — advogado, intelectual conceituado, membro de entidades culturais da Capital, descendente da família de Afrânio Coutinho — a meu convite e do PALAS, também compareceu à cidade preparadíssimo para palestrar (graciosamente) no mesmo evento. Ele saiu de Brasília de manhãzinha somente para apresentar o oportuníssimo tema “Constituição e cidania”.

Em que pese a divulgação através de convites individuais, da convocação dos estudantes e professores, e de debates no Giro da notícia, as palestras foram canceladas por total ausência de público. Excetuando os membros do PALAS, não compareceu sequer “um” ouvinte para recepcionar os pales-trantes convidados.

Com a suspensão da palestra, passei toda a manhã do domingo na frente da UEG, e, enquanto as crianças participavam das atividades infantis e os bem-te-vis faziam alvoroço no dia de chuva preguiçosa, fiquei refletindo sobre o comportamento do homem pós-moderno (não só do silvaniense) — já que esse era o tema que abordaríamos em nossa palestra abortada.

Sentado ali na frente da UEG, com a maravilha de um flamboaiã florido atrás de um muro (quem não compareceu à palestra, poderia pelo menos ir lá, num gesto humano de beleza, contemplar o flamboaiã), reli várias vezes o poema de Kaváfis, que iria ilustrar a minha palestra. O poema mostra como o indivíduo que não constrói a vida na sua pequena cidade também a destrói no resto do mundo. E algo doía dentro de mim: quanto jovem se destruindo em tantas cidades brasileiras e ficando sem a possibilidade de conquistar o resto do mundo.

Nas reflexões, lembrei-me de todas as minhas leituras sobre a condição da pós-modernidade, sobretudo dos livros de Gilles Lipovesky. Lipovesky, em seu recente livro A sociedade da decepção, trata do indivíduo que se frustra por não ter se envolvido com o processo cultural do seu tempo — e não da decepção menor de ficar abandonado num evento, no ex-bairro das Pedrinhas, onde passei tantas vezes carregando os livros de minhas primeiras leituras, quando saía pelos fundos do ginásio.

Pensamos ali na manhã chuvosa o quanto é frustrante constatar que a inapetência cultural tenha chegado às pequenas cidades como Silvânia. Po-demos prever que, sem se envolver com o questionamento de seu tempo, a atual geração de jovens vai se transformar nos homens “decepcionados” com o mundo futuro, pois, pela ausência de participação, pela ausência de formação cultural, é uma geração que não estará preparada para construir o mundo que será a sua casa no futuro. Só não me decepciono com aquilo que construo. Se hoje sou um alcoólatra, amanhã terei um organismo doente; se hoje eu não me preocupo com a formação, terei menos possibilidade de construir a economia e a política futuras. Entendemos, inclusive, que os pais também são criminosos quando não motivam e não exigem a participação cultural de seus filhos. O filho sem cultura é o candidato ao alcoolismo, à droga, ao roubo, à morte no trânsito, à balbúrdia urbana. Os pais têm de levar os filhos pela mão até a cultura. Caso contrário, outras mãos vão levá-los para destinos bem menos promissores e, com certeza, totalmente desesperadores.

Há muito tenho me preocupado com o egocentrismo da pós-modernidade, mas acreditávamos que se tratasse de fenômeno restrito às grande metrópoles, onde se concentra a informatização e o enclausuramento do indivíduo para fuga da violência. (O egocêntrico da pós-modernidade —só mesmo para entendimento— é o indivíduo que acredita que tudo está atuando só para ele, portanto o “eu” é o centro, que ele não precisa participar, que não precisa atuar, que não precisa ser agente de modificação do mundo, pois acredita sempre que o “outro” está preparando o paraíso para ele. Aí vem a decepção prevista por Lipovesky em seu novo livro: como a totalidade dos homens são egocêntricos, homens sem participação humana, que não se preocupa com ordenamento político, a sociedade entra em total desarranjo, e todos acabam numa tremenda decepção. Portanto, além de apostar no fracasso do outro, o indivíduo da pós-modernidade não está se construindo culturalmente.)

Não era meu propósito escrever este artigo. Nenhum rancor me move a fazê-lo. Até dos eventos frustrados nascem as flores amorosas da aprendizagem. Move-me a admiração pelos jovens que se agrupam no PALAS. Tanto o movimento é importante que tenho amigos hoje bem realizados que saíram da primeira edição do PALAS. Um jovem que participa de uma entidade, aprende a trabalhar em equipe, a dividir questionamentos, a pensar o seu local na sociedade. Em equipe, o jovem quebra o próprio egocentrismo.

E digo mais: persistam. Se cuspirem nos vinte, se forem esbofeteados pelos 300 — persistam. Não temam atuar dentro e fora da cidade. Como diz o poeta, vocês são imprescindíveis.

Se dez aprendem a fazer uma flauta numa oficina; se as crianças dançarem e rirem e se abraçarem, não terá sido em vão o Omelete Cultural. A nova juventude tem de nascer assim: pela dança e o canto das crianças.

Venho sugerindo aos parlamentares goianos — poderia ser para todo o território nacional, mas é em Goiás que está a identidade do meu DNA — que preparem cartilhas a serem distribuídas a todos os municípios, com indicativos de projetos que criem opções culturais para a juventude. Revitalização de cinemas, criação de cineclubes caseiros, ofertas de aulas de música, incentivo à criação de centros de dança — por aí, por aí —, até a motivação para o surgimento de agremiações juvenis voltadas para a cultura (tipo assim, PALAS).

Não teremos a reorganização da identidade nacional, e muito menos de uma identidade política, sem reorganização do processo cultural.

19 de outubro de 2007

Quase poema




Bambus da mata do Ginásio Anchieta, em Silvânia.
E amanhã lá estarei







Talvez só com pés para pairar
sobre a presença em que respiras
Talvez por isso indagues
por ruídos bem antes esquecidos
Aí amastes no primeiro dia

Depois só a conspiração
Não deixar que virasse só reparos
Apagar se muito fogo estalava
Se muitos gritos assumiam a farsa
cuidavas de vir o repouso às alas
O castelo não é só do desvario

Não permitir só primavera só solstício
Afundar-se quando algo se afoga
Dar os instante de folga
se a roda mói e mói contínua
E acharás outro pouco de rosa
se emurchece a rosa do primeiro dia

Há o primeiro dia de cardume
e languidez perfumada sobre os ossos
Para que não falte ar aos limões e às rosas
há depois os demais dias de lutares

11 de outubro de 2007

Ainda que ao desamparo dos rijos esteios
e os tesouros esquecidos dos guias
e — sangrentas — as palmas arquejem
Visitarei

Não destruí as muradas da sorte
Erguem-se para desvio
dos inimigos que possam
trazer as fáceis algemas
Visitarei

Deixei os cântaros da água pro vinho
Enchi de gemas e pedrarias
as paredes amigas do tempo
Harpejos ao visitante nos anúncios da areia
Visitarei

Sempre os arranjos de uma viagem
com arreios de jaez invejável
Contarás onde esquentastes as veias
onde ciúmes deixavas
Visitarei

Ainda que eu chegue com as secas castanhas
e no butim só as façanhas do mofo
Contarás o quanto querias
os pulsos inteiros
Para as festas onde erguestes os salões
Onde achastes os guerreiros
Visitarei

5 de outubro de 2007

Estou com um pequeno livro da Emily Dickinson
editado pela L&PM, em em tradução de Ivo Bender.
Gostei muito da seleção dos poemas
ou mesmo da leveza que ele deu aos textos.
Muitos querem atravessar uma dificuldade
que Emily Dickson não tem.
Mesmo assim ainda introduzi,
com a minha experiência campestre,
umas quatro alterações
para que a leveza ainda mais se manifestasse.


Bem pouco a fazer tem o pasto;
Reino de simples verde,
Só com borboletas para criar,
E abelhas para entreter –

E ondular o dia inteiro aos tons
Que a brisa consigo arrasta;
Cumprimentar a todas as coisas
E embalar, ao colo, a luz do sol –

Fazer com orvalho, à noite,
Colares de pérolas com tal fineza,
Que uma fidalga não saberia
Perceber que não é falso –

E acabar-se — ao atravessar
Por entre odores divinos –
De especiarias adormecidas –
Ou de nardos, agonizantes –

Enfim, quedar-se em nobres celeiros –
E, em sonho, passar os Dias;
Bem pouco a fazer tem o pasto,
Feno eu quisera ser

Uma horas dessas eu termino esse poema

Há os que amam entre muitos
que atravessam toda a lama
O corpo em sessões de prazer
Cintila aromas de crostas secas
e ruibarbos de saúde inflamados

Há os que uivam
aos que não foram devassos
Perdidos que estavam
com as jornadas de Mecas
Em turnos perdidos
em horas de curvas e curvas

Lá estão, lassos lassos,
os que amam com as trapaças
E eu que não fui um dos 300
se me sedavam os arames
das horas curvas das horas curvas

4 de outubro de 2007


Eu estava pesquisando a história do grupo Weather Report, e bato de testa com a notícia da morte de Joe Zawinul ocorrida a quase um mês, em 11 de setembro. Passou tão desapercebida que não posso deixar de registrar aqui a morte desse jazzista que tanto prazer me dá com seus discos pessoais, com aqueles que gravou com o seu grupo Weather Report e mesmo com a participação em discos de Miles Davis, principalmente nos antológicos In a Silent a Way (que leva o título de uma música de sua autoria) e Bitches Brew. Ele é destas personalidades que surgem para mudar os tempos.

Aproveito aqui o texto de uma agência de notícias, da qual discordo apenas no que diz respeito à origem do jazz fusion. Para mim, o início se deu com In a silent way e não com Bitches Brew. E estes dois discos serviriam de base para tudo que o Weather Report, os grupos de Herbie Hancock e outros "funk" viriam a fazer depois.

VIENA - Morreu aos 75 anos, em Viena, Áustria, o tecladista de jazz Joe Zawinul, fundador, com Wayne Shorter, de um dos mais importantes grupos do gênero, o Weather Report, em 1970, banda que criaria o que ficou conhecido como jazz fusion. Zawinul foi eleito 30 vezes o melhor saxofonista do jazz pelos críticos da revista Down Beat (inclusive este ano). Ele morreu de uma forma rara de câncer de pele, segundo noticiou a agência de notícias APA. Joe Zawinul nasceu em 7 de julho de 1932 no tempo terrestre, e morreu em 11 de setembro de 2007 no tempo eterno. Ele vive para sempre", disse seu filho Eric. O austríaco Zawinul está na origem da fusion, que foi esboçada originalmente no disco Bitches Brew, de Miles Davis, em 1969, que aproximava o jazz do rock. A música do Weather Report sempre soa crua e no limite, e real", diz o saxofonista Joshua Redman, que tocou ontem em São Paulo. "E isso não acontece com a maior parte das outras músicas fusion, especialmente a fusion que veio depois do Weather Report. Nasceu em Viena, e cresceu num distrito operário da cidade, Erdberg, durante a era nazista. Seu primeiro instrumento foi o acordeão, antes de entrar para o Conservatório de Viena. Teve como amigos de juventude o ex-presidente austríaco Thomas Klestil e o pianista Friedrich Gulda. Em 1959, ganhou uma bolsa de estudos para o Berklee College of Music, em Boston, e a partir dali iniciou sua vida americana, junto aos grupos da cantora Dinah Washington e do saxofonista Cannonball Adderly. Uma vez, Miles Davis entrou no Birdland, em Nova York, decidido a contratá-lo. E o fez. Dez anos depois, Zawinul compôs In a Silent Way,que se tornou a faixa que catapultou o disco de Miles Davis em direção a um novo cruzamento entre jazz, rock R&B e funk. Muitos grupos surgiram a partir dali: Os Headhunters de Herbie Hancock, o grupo Lifetime de Tony Williams, o Return to Forever de Chick Corea e a Mahavishnu Orchestra de John McLaughlin. A música fusion acabou se tornando parte da música pop internacional nos anos seguintes. Com Wayne Shorter, Zawinul fundou o Weather Report, com o qual gravou 17 álbuns. Uma das canções do grupo, Birdland, ganhou Grammys em três décadas distintas - pela versão original e pelas gravações de Quincy Jones e Manhattan Transfer. Nos últimos 20 anos, ele tocava com seu próprio grupo, The Zawinul Syndicate, que esteve em Florianópolis num festival de jazz, em 1996, ao lado de Betty Carter e outros notáveis. Ele fundou um clube também chamado Birdland em sua Viena natal, onde tocava.O prefeito de Viena, Michael Haeupl, disse que o corpo de Zawinul seria sepultado com um funeral de honras em Viena.

2 de outubro de 2007

A convite da Academia Piracanjubense de Letras e Artes, irei ainda neste mês, com o Herondes Cézar e Robson Corrêa de Araújo, a Piracanjuba (GO) para diálogo com os membros da entidade, às 20 horas do dia 26. A academia é dirigida por José Divino Alves. Eu e José Godoy Garcia estivemos a alguns anos atrás em Piracanjuba, numa visita de funda saudade que foi ciceroneada pelo piracanjubense Herondes Cézar.
Com estas primeiras chuvas, prenuncia-se uma viagem carregada do verde cerrado goiano. Talvez ainda não estejam floridos os pequizeiros, mas certamente avistarei ao longe algum ipê florido nalgum resto de mato.
Quero me desculpar com aqueles que vem comparecendo a este blog e têm "dado de testa" (expressão goiana para lembrar minhas raízes) com notícias envelhecidas. Peço desculpas ainda ao Vassil Oliveira (amigo de Goiânia) e ao poeta Wilmar Silva (amigo de BH) pelo atraso em responder as entrevistas que me encaminharam. Com a minha participação em alguns eventos, acabei me atrapalhando com outros compromissos, inclusive com a atualização do blog.

No dia 10, tenho uma participação numa casa noturna da SQN 312, às 20 horas.
Nos dias 19/21, em Silvânia (minha terra), acontece o Omelete Cultural promovido pelos jovens da cidade. Estarei indo pra lá com o Robson Corrêa de Araújo e com Fábio Coutinho. Faremos oficinas de literatura, fotografia e comportamento social.
E, no dia 26, estarei em Piracamjuba a convite da Academia Piracanjubense de Letras e Artes (ver box acima).

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...