13 de maio de 2023

O poema da garotinha Lara

Tem boi tem cavalo tem cabra
Tem pintinho tem bebê tem ponte
Tem cabra tem bebê tem ovo
Tem porco tem madeira tem boi
Tem uma nuvem e tem céu
e a nuvem foi para Floriano
                                                     e tem céu

Nota recuperada de minha rede social

Acredito que o caderno "Eu", do jornal Valor, seja um dos cadernos culturais da atualidade menos lidos. E devia chegar ao conhecimento dos formadores de opinião nas áreas de cultura e educação, que é onde o comportamento humano se transforma. Sempre tem um artigo que inevitavelmente contribui para pensar o homem contemporâneo. Na semana passada, sobre a personalidade do promotor Dallangnol. Tenho comungado com o ponto de vista ali externado. A sociedade tem de zerar algumas questões. Se uma legislação não está servindo para estancar a corrupção, ela tem de ser zerada por outra. Se a educação não atende mais às tecnologias e aos interesses do homem atual, tem também de ser zerada. Aí vai se ajustando para se chegar a um ponto de conseguir consenso e estabilidade. Não são os deuses que vão gerar esses equilíbrios. Ninguém quer sair de sua zona de conforto e fazer esse enfrentamento. Os advogados querem um sistema em que possa continuar empurrando as irregularidades de seus clientes; os professores não querem encarar novo corpo a corpo com o aluno. E outro artigo da edição desta semana, no mesmo "Eu", pode contribuir para a mesma discussão desta exaustão de nosso tempo, seja na política, na cultura, no comportamento humano. A entrevista com Mafesoli aborda esse interesse do indivíduo moderno em atender só a si mesmo, que arranca a sua felicidade do imediatismo. Que talvez deseje o emprego só pela remuneração, sem estar preocupado com o futuro do Planeta, com os resultados sociais daquilo que está fazendo. Só que esta linha de pensamento defendida por Mafesoli, Zigmut e outros. é insuficiente, pois define o que é ser pós-moderno, com as características egocêntricas, de busca de ações evasivas como terrorismo, mas não apresenta ações públicas que possam promover reversões - o que julgo irreversível, pois os espaços para a ética foram todos contaminados, sobretudo a religião, que já não convence. Quem acreditaria hoje em Santo Agostinho? Só um louco. Aquilo que ele rebate nos deuses romanos, com justeza, não acabaria servindo, hoje, também para demolir a religiosidade que ele defende? Qual deus protege hoje os vencidos? Sobra as críticas aos sistemas, mas essas. Rita as servem para que a situação seja revertida? Há 1600 anos a riqueza continua concentrada e os ricos continuam manipulando a pobreza para que sejam bajulados pelo pobres. E o Chico continua com razão: vamos continuar trocando tiros

Alice nas cidades

O excesso de palavras nem sempre apresenta solução para o cinema e a música. É a intensidade com que conseguimos interpretar que dá maior amplitude a um filme ou a uma peça musical. Não adianta assistir "Alice nas cidades", de Wim Wenders, ou ouvir um Noturno, de Chopin, aguardando por um discurso. O discurso terá de ser proferido pelo ouvinte, pelo expectador. Não adianta encarar, por exemplo, "O cavalo de Turim", de Béla Tarr, sem um discurso introspectivo preparado com cultura, pois, caso contrário, achará que o cineasta está de gozação com o expectador. Bagagem cultural e perspicácia interpretativa é o que arranca significado de uma obra de arte. Béla Tarr é um dos últimos pai de santo do cinema.
    Estou aqui na área de minha casa, ouço o terceiro trem passar no dia, ouço sabiás e bem-te-vis desde as cinco horas da manhã. E já revi o filme "Alice nas cidades". É um filme de 1974, no rescaldo da contracultura. Traz um novo formato de ver a paisagem e o homem, que está deformado pelo desconforto de ajustar-se á uma nova urbanização, e também de relacionamento. Temos casais que não se compreendem, o encontro casual, e a criança que já disputa com o adulto a definição do conhecimento destas relações.
    Trata-se de um filme que não se esgota naquilo que pode ser visto inicialmente. Outros leituras antropológicas e sociológicas sempre surgirão nas interpretações que possam ser feitas no futuro sobre ele. A garotinha, em determinado momento do filme, na procura de uma casa antiga que pode estar destruída para surgimento de um novo projeto de urbanização, lembra-nos: "O passado ainda não terminou". Vivemos sempre um processo de desejo de acabar com todo o passado o mais rápido possível, mas ele está sempre impregnado em qualquer história pessoal, ainda que a história pessoal seja a história das cidades.
    É um filme que mostra o esvaziamento dos espaços, o esvaziamento dos encontros. Onde estão as pessoas? Antecipa esse desconforto do excesso de imagens, conhecimento pela imagem; superpovoamento e a cidade está vazia, pois as pessoas só existem no isolamento e no movimento. Onde que elas estão se relacionando e pensando?
    "Alice nas cidades" é a busca de nosso passado. Mas será que havia comunicação no passado? E mostra que a própria busca já é a comunicação, já é o encontro, se permitimos que a nossa inocência circule junto com o outro, sem nenhuma necessidade de exploração, só pelo conforto de estar junto.
    Há uma cena em que Alice e Phillip sentam no café para lanchar. Ali há a demonstração do excesso de sufocamento do homem pelo mundo moderno. A paisagem deteriorada não só na urbanização. Mas também nos espaços, que vão sendo invadidos por publicidade, ruído... Noutro momento, num quarto de hotel, Philipp liga o rádio e tem de ouvir a música com superposição do ruído da cidade e da necessidade de comunicação de Alice. O que há para ouvir, ver e comunicar na balbúrdia emocional do mundo moderno, industrial?
    Gosto destes filmes com espaços para eu pensar, preenher espaços com a minha imaginação. Não quero que diga tudo por mim e para mim.
    Eu sempre me imagino andando pelas cidades com Alice.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...