Republico aqui a resenha que Astier Basílio publicou sobre o meu livro Ruínas ao sol. Deixo-a na íntegra, pois tem uma importância enorme para mim, pela sinceridade, pela leitura consciente de meu livro. Pois esse excesso de repetição vem do mundo entediado em que vivemos, que está resultando na violência da elite em quebrar as cidades. Basta ver o romance Terroristas do milênio, de J. G. Ballard.
Jornal da Paraíba, em 28 de outubro de
2006
Uma travessia entre o inusitado e o estranho
A poesia do goiano Salomão Sousa joga com o manejo
da linguagem, mas o efeito se perde coma repetição excessiva de recursos
Astier Basílio
Há poetas
que apostam no pensamento, outros na fragmentação e no desmonte, por sua vez,
há aqueles que investem na linguagem. É dessa família que pertence o goiano,
radicado em Brasília, Salomão Sousa. Prova disso é seu livro Ruínas ao Sol
(7 Letras, 86 págs., 2006). A obra foi a vencedora do Festival de Poesia de
Goyaz, deste ano.
Na linha
encantatória e com apelos eloqüentes aos aspectos visuais e sensitivo feitos
através do uso da metáfora, que comparece em sua estrutura visionária, repleta
de estranhamentos e de associações pouco usuais, a poesia de Salomão trabalha com
o inusitado e o estranho.
É o que
podemos ver em construções como “aceitar os escombros/ as moscas da febre/as
magras pontes sem nossas sombras”, ou “Onde as sementes desejam/ voam plumas e
se confundem/ com líquidas libélulas de sol”e“com os idílios dos erros nós
remamos”.
O livro nos
remete a uma espécie de travessia, sem lugar e em todos os lugares. A paisagem
é o palco para as errâncias da linguagem que não cede aos regimentos lógicos,
antes resvala pelo terreno do surrealismo. Os poemas
não têm título.
O que sugere
este horizonte circular e mútuo, como se um único poema se desdobrasse em movimentos, promovendo avanços e
recuos, mas sem a intenção de chegar. É o que se pode ver nestes belos versos:
“Estarás em qualquer/ilegível estrela ou estrada/ irei recolhendo tuas roupas/todas
em rasgos/ só eu posso te encontrar/ no instante em que fores louca”.
Era como se
o poeta quisesse sinalizar que não há saída fora da linguagem, que não haveria
salvação fora da palavra. Esta é a impressão que tenho ao ler versos como “ninguém
terá de imaginar fugas/ mentir às brumas dos brâmanes/ ninguém ficará sem saídas/
nas curvas do labirinto/ninguém terá de terminar”. O poeta quer seguir o seu
deserto de dentro. É o que vemos nesta verdadeira profissão de fé: “Não se
apresenta nenhum nirvana/e talvez nada seja em vão/não reclamo da andadura/ não
levo me a nenhuma caravana/sem visagens e sem cântaro”.
Ruínas ao
Sol é um título extremamente significativo. Salomão
ativa vários sentidos aí. Podemos lê-lo como a descontinuidade do amanhã, o tempo
e seus entre-lugares, numa referência à pós-modernidade, terreno movediço de vozes.
Se é no manejo da linguagem o ponto alto do goiano e neste mesmo expediente que
decorrem os momentos menos felizes do livro, justamente, por conta do abuso
deste recurso, que à repetição excessiva, acaba perdendo seu efeito surpreendente.