28 de outubro de 2006

Jornal da Paraíba, resenha de Astier Basílio

Neste sábado, 28 de outubro, estou muito feliz. Sou padrinho do casamento de Gisele, minha sobrinha, e do Marcelo. Recebi a visita do poeta João Carlos Taveira, e passamos a tarde quase toda em conversas sobre a poesia contemporânea. E, para coroar o dia, saiu uma resenha no Jornal da Paraíba, de autoria do escritor Astier Basílio, sobre o meu livro Ruínas ao sol. Abaxo, a resenha.
Uma travessia entre o inusitado e o estranho

. Astier Basílio
Há poetas que apostam no pensamento, outros na fragmentação e no desmonte, por sua vez, há aqueles que investem na linguagem. É dessa família que pertence o goiano, radicado em Brasília, Salomão Sousa. Prova disso é seu livro Ruínas ao Sol (7 Letras, 86 págs., 2006). A obra foi a vencedora do Festival de Poesia de Goyaz, deste ano. Na linha encantatória e com apelos eloqüentes aos aspectos visuais e sensitivo feitos através do uso da metáfora, que comparece em sua estrutura visionária, repleta de estranhamentos e de associações pouco usuais, a poesia de Salomão trabalha com o inusitado e o estranho. É o que podemos ver em construções como “aceitar os escombros/ as moscas da febre/ as magras pontes sem nossas sombras”, ou “Onde as sementes desejam/ voam plumas e se confundem/ com líquidas libélulas de sol” e “com os idílios dos erros nós remamos”. O livro nos remete a uma espécie de travessia, sem lugar e em todos os lugares. A paisagem é o palco para as errâncias da linguagem que não cede aos regimentos lógicos, antes resvala pelo terreno do surrealismo. Os poemas não têm título. O que sugere este horizonte circular e mútuo, como se um único poema se desdobrasse em movimentos, promovendo avanços e recuos, mas sem a intenção de chegar. É o que se pode ver nestes belos versos: “Estarás em qualquer/ ilegível estrela ou estrada/ irei recolhendo tuas roupas/ todas em rasgos/ só eu posso te encontrar/ no instante em que fores louca”. Era como se o poeta quisesse sinalizar que não há saída fora da linguagem, que não haveria salvação fora da palavra. Esta é a impressão que tenho ao ler versos como “ninguém terá de imaginar fugas/ mentir às brumas dos brâmanes/ ninguém ficará sem saídas/ nas curvas do labirinto/ ninguém terá de terminar”. O poeta quer seguir o seu deserto de dentro. É o que vemos nesta verdadeira profissão de fé: “Não se apresenta nenhum nirvana/ e talvez nada seja em vão/ não reclamo da andadura/ não levo me a nenhuma caravana/ sem visagens e sem cântaro”. Ruínas ao Sol é um título extremamente significativo. Salomão ativa vários sentidos aí. Podemos lê-lo como a descontinuidade do amanhã, o tempo e seus entre-lugares, numa referência à pós-modernidade, terreno movediço de vozes. Se é no manejo da linguagem o ponto alto do goiano e neste mesmo expediente que decorrem os momentos menos felizes do livro, justamente, por conta do abuso deste recurso, que à repetição excessiva, acaba perdendo seu efeito surpreendente.

25 de outubro de 2006

Mercado Editorial

Temos de reconhecer: o mercado editorial brasileiro tem progredido! Tanto na oferta e escolha dos títulos, quanto no acabamento editorial.
A Editora Villa Rica (Itatiaia e Garnier) tem retornado ao mercado com seus títulos clássicos, bem como tem incluídos novas traduções ao seu catálogo. Estão lá, em roupagem nova, o Decamerão, do Boccácio; Os sertões, de Euclides da Cunha; Minha Formação, de Joaquim Nabuco; Fernando Pessoa, Machado de Assis, Olavo Bilac, até as poesias completas de Cassimiro de Abreu, e tantos outros. Inclusive as Conversações com Goethe, de Buckhardt. Hoje este livro anda esquecido, mas já fez escola memorialística. E nunca é tarde para lê-lo. A Villa Rica/Itatiaia/Garnier tem a sua forma de tratar o livro, que ele fica parecendo que ainda foi impresso a quente. E como são autores clássicos, as edições acabam ganhando um charme especial. Além de as edições ficarem mais baratas.
Entrou a Alfaguara no mercado, com alguns títulos (e em edições) charmosos. Nova tradução do Retrato do Artista Quando Jovem (de Joyce), o novo livro de Mario Vargas Lllosa, e uma seleção de poemas de Fernando Pessoa, pelo Luiz Ruffato. A edição de Fernando Pessoa está muito atrativa, principalmente para a juvenude, pela espacialidade que foi adotada para a inclusão dos textos nas páginas.
Tem a editora 34, que continua com a edição das obras de Dostoievski (saiu a A senhorita), e estão lá as melhores traduções de Crime e Castigo, de O Idiota. Aguardo ansioso a tradução nova de Os irmãos Karamazovi. Ninguém pode deixar de ler Crime e Castigo.
Temos a Cia da Letras, que tem trazido a nova literatura européia e asiática, e a bela coleção de Italo Calvino. E o resto do Kafka? estou aguardando as novas traduções de Modesto Carone. E também novos títulos da coleção de Nietzsche.
Nem precisamos falar da Martins Fontes. É umas das editoras mais cautelosas com o seu catálogo. Estão lá os grandes filósofos (antigos e modernos). Talvez a editora ainda tenha de investigar em redução de custos para que seus livros cheguem mais baratos aos estudantes, ainda mais que são os mais adotados nas faculdades. Não sei porque esta cultura, no mercado editorial brasileiro, de que o livro adotado tenha de ser o mais caro. Enquanto que tinha de ser ao contrrário. Pois, é sabidíssimo, que um livro, quando mais vendido, mais barato.
Ainda hoje encaminhei e seguinte e-mail à editora CosacNaif, que sem dúvida, tem sido imbatível:

Estive em Goiás Velho com Augusto Massi e foi um encontro de muita cortesia. Conversamos sobre Augusto Monterroso, que é preciso ter uma edição bem cuidada no Brasil, pois a edição de A Ovelha Negra, pela Record, foi desastrosa. Poderiam editar A Ovelha Negra ou Obras Completas (que na realidade é o seu primeiro livro de contos).

Mas eu sugiro ao Augusto Massi a edição do livro
Meditations, de John Donne, que nunca foi traduzido no Brasil, e contém o pequeno sermão poético que cntém as famosas frases que originaram os títulos dos livros de Hemingway (Por quem os sinos dobram) e Tomas Merton (Nenhum homem é uma ilha). São 22 meditations, mas poderiam traduzir mais alguns poemas e seria uma edição muito bem-vinda.

Por fim, precisam retomar a edição de obras clássicas da historiografia (Mommsem, Ranke, Bloch........)

Mais e mais sucesssos para a editora e todos os seus funcionários!!!!

22 de outubro de 2006

As esculturas vivas de Anish Kapoor


Acredito que é assim o nirvana: estar com o corpo dentro de uma escultura viva de Anish Kapoor. Dentro do nirvana ou da expansão milagrosa do universo. Depois de visitar a exposição deste escultor indiano, naturalizado inglês, fica difícil até a volta à realidade, já que ela não será mais vista e vivida com as mesmas dimensões.

Quem comparecer ao CCBB até o fim do ano para ver as nove esculturas de Anish Kapoor ali em exposição, certamente sairá estupefato. A escultura Ascension, que dá nome à exposição, está num galpão construído especialmente para a sua instalação. Poucos minutos que passarmos ao lado daquele pequeno furacão serão suficientes para descobrimos que nosso corpo — até nosso hálito — interfere no movimento do mundo. E, ao sairmos daquele labirinto, passamos a andar mais cautelosos para não alterar a ordem das coisas à nossa volta.

Anish Kapoor (muitos dados sobre o artista podem ser conferidos em sites da internet) — todos hão de concordar após ver suas obras — desconcerta. Ao convergir experiências das culturas oriental e ocidental, mostra-nos que as dimensões do universo e mesmo corporais são outras e não estas com as quais nos adaptamos à realidade. Descobrimos que a adaptação apenas disfarça os mistérios inalcançáveis das dimensões da luz, das cores, e do nosso próprio sangue. Se vivêssemos as profundidades reais da realidade, enlouqueceríamos. Descobrimos que nosso olhar é pequeno. Aliás, talvez o nosso olhar seja inútil para o universo em que estamos perdidos. E se um dia nos descobríssemos num universo que não alcançássemos mais nenhuma realidade? Este é o desconcerto de Anish Kapoor.

Há uma escultura que, na aparência, pode parecer inútil e de total desperdício. Trata-se de um cone composto de paredes, com uma parede-espátula móvel no centro, que move sobre uma camada de oito toneladas de cera. A parede-espátula só é movida com o esforço de oito homens. E a espátula-parede, ao ser movida, altera as ranhuras daquelas toneladas de cera. Exagero? Mas, quando ela é grande, a metáfora merece e exige uma expressão que nos desoriente. E Anish Kapoor desconserta e desorienta. O cone gigantesco nos remete para nós mesmos. Para alterarmos nossas grandes texturas internas temos de mover uma espátula de difícil mobilidade. As alterações internas do indivíduo exigem a presença de outras pessoas, no exterior, para empurrar a nossa espátula desconhecida, e, assim, gravar novas ranhuras nas texturas de nossa individualidade.

Não importa quanto longe ou perto alguém esteja perto do CCBB. Não interessa se a realidade existe, o importante é ir lá conferir.

21 de outubro de 2006

A AMIZADE NÃO ESTÁ SÓ NA VIA APIA

Quando me canso das leituras, sinto retornar aquela gana de andar solitário pela cidade. Quando é tempo de chuva ainda facilita mais. Atrai-me a cor escura que a cidade assume, parecendo que há uma realidade perdida no ar e outra querendo nascer da água.

Como me encontrava desiludido com a leitura de Minha Formação, de Joaquim Nabuco, na tarde desta sexta-feira, fui para o centro de Taguatinga — cidade satélite de Brasília, localidade que foi a minha primeira morada em Brasília.

Apesar de tratar-se de autor de leitura obrigatória de nossa formação cultural, já que contribuiu para a libertação dos escravos —, Joaquim Nabuco não deixa de contribuir para a perpetuação da idéia monárquica, para a perpetuação da idéia da hereditariedade como meio de acesso ao poder, e para a fixação de um espírito liberalizante para a consolidação de uma classe dominante, que é de onde ele veio e sempre ficou. E pior, pode contribuir para o desamor à nacionalidade.

Eu tinha de ir para a rua após ler uma frase como esta: As paisagens todas do Novo Mundo, a floresta amazônica ou os pampas argentinos, não valem para mim um trecho da Via Apia (...) Os grandes homens podem errar nas grandes definições, mas têm de acertar nas pequenas observações. Fazendo turismo pela Europa à custa do erário, na diplomacia, e fazendo o contra-serviço de divulgação da nacionalidade! Mas ele tem ambição e seus acertos, principalmente quando reflete sobre a literatura em formação naquele período (mas mesmo assim podemos notar que ali Joaquim Nabuco olha com o olhar de superioridade de quem esteve na Europa, em vez de olhar com nobreza — já que voltou ainda mais convicto do espírito monárquico — diante daqueles que procuravam fixar alguma raiz cultural numa terra ainda inóspita de tudo!). E queria desancar José de Alencar e deixar em dúvidas o trabalho de Machado de Assis.

Temos de ser mais rigorosos com os autores que não fixam um espírito de nacionalidade. Por isso minha preferência por Dante Moreira Leite, que sabe ser crítico sem destruição.

Só mesmo indo espairecer em caminhadas pela chuva! Pisar nas favas úmidas das sibipirunas. Olhar as mães felizes com as crianças a elas atracadas debaixo dos guarda-chuvas. Só assim, atracados, mãe e filho se identificam. Só andando assim ao lado deles me identifico com a cidade e com o homem. Nem me importo com o deseducado que escolhe a poça para jogar água em mim e na mãe unida ao seu filho.

Apesar da chegada do metrô e de alguns edifícios comerciais, Taguatinga não difere muito daquela cidade plena de balbúrdia de quando desembarquei em 6 de janeiro de 1971, com uma malinha de papelão nas mãos e uma caixa de livros nas costas. Se não há mais o cine Lara, onde naquele dia assisti o primeiro filme na Capital. Lembro bem que era Romeu e Julieta, de Zefirelli, e estava acompanhado de minha prima Fátima Brasil. Não me esqueço que a luz era fraca nalguns trechos das ruas da cidade e, assim que saímos do cinema, avancei de cheio numa poça d’água.

Não é novidade eu andar solitário — assim me habituei desde a minha juventude. Serve para a abertura de reflexões, e também para estabelecer paralelos entre as vidas das outras pessoas e a nossa própria vida. E mesmo paralelos entre as diversas etapas da nossa vida, paralelos com a nossa realidade e aquela que encontramos nos livros. Sem a solidão e os paralelos que a partir dela podem ser estabelecidos ninguém encontra nada em si mesmo.

Ali, comprei discos de Radamés Gnattali em ponta de estoque a menos de quatros reais a unidade. Daí já é possível estabelecer reflexões sobre a situação de miséria em que vive a cultura brasileira. Ainda de manhã, consultando a lista de livros de uma promoção num site da internet, já notara que todos os livros de poesia editados nos últimos meses estavam à venda a preços pífios.

E não é só a cultura que trafega na lâmina da miséria! Para não dizermos “lama”, já que estamos trafegando na chuva!

Um rapaz e um velho andavam à minha frente. Rápido, o rapaz voltou-se para mim, com a voz pastosa pelo uso de bebida. E me pegou de surpresa, estendendo a mão num gesto de quem pede esmola:

— Eu estava dizendo para ele (e apontou o velho ao dirigir-se a mim!): não sou muito novo para estar com a mão assim?

Saí com subterfúgios, pois poderia irritá-lo se dissesse que, aos meus dez anos, as minhas mãos calosas também já estavam marcadas. Certamente, não tão fundo como as dele.

E não só a chuva ainda traz poesia humana dentro da cidade. Ali parado perto de uma loja de roupas infantis, aguardando passar a onda mais forte da chuva, observo duas mulheres passarem com galhofices cheias de malícia. Nisso, outra mulher que estava sentada atrás de mim, num tamborete, puxa conversa. Quer saber de onde sou, coisas assim, o que faço. Logo, com seus belos olhos verdes injetados de sangue — certamente pelos esforços que a sua profissão exige — aponta para os lados de um hotel que eu já notara na ruela, e me pergunta se não desejo aproveitar a tarde para namorar. Digo-lhe que é muito cedo, e que não tinha tirado a tarde para namorar. Ela continua insistindo. Quando a chuva pára, e agradeço o convite em minha última negativa, ela conclui:

— Não há de que. A amizade é a mesma.

Só andando solitário pela cidade para saber que a amizade não é algo assim tão fluido, e que vida possa trafegar com beleza e dignidade penas na Via Apia.

16 de outubro de 2006


A vida e a obra de Puchkin, o poeta russo, sempre me atraíram. Por dois motivos: é um poeta que sempre aparece intercalado na história dos demais escritores russos, já que é um dos fundadores da moderna literatura russa. E, depois, as circunstâncias de sua morte. Em duelo com o sedutor de Nathalie, sua mulher (não compensa morrer por uma dama tão bela — olha ela aí no desenho?). Há tempos comprei, e nunca assisti, a ópera Eugêne Oneguin, já que o poema épico de Puchkin só sairá em tradução para o português — pelo menos está previsto — agora em 2006. Dentro dessa curiosidade pela vida do grande poeta, estou lendo O botão de Puchkin, estudo sobre os últimos anos do poeta, visando esclarecer a sua morte, feito pela italiana Serena Vitale. O livro reflete boa pesquisa, bom ordenamento do material, e dá vivacidade aos fatos.
Não resisto. Transcrevo aqui o poema (vejam a ousadia dos versos finais, já que foi escrito numa época de total servilhismo ao csar):

À maneira de Pindemonte

De Alexander Puchkin
Tradução de Joana Angélica D'Ávila Melo

Não me apego aos direitos reboantes
que a muitos homens viram a cabeça.
Não choro se os deuses me negaram
a sorte de opor-me a privilégios,
ou de impedir os reis de entrarem em guerra.
Em nada me magoa que a imprensa
açoite os parvos, que a censura alerta
persiga os cultores do motejo.
São só "palaras, palavras, palavras".
Outros direitos me são caros, e outra,
mais alta e bela liberdade eu amo:
servos de plebe ou servos de poder,
não será tudo o mesmo? Não prestar contas
a mais ninguém, servir e comprazer
a si mesmo somente, não baixar
a cabeça às coroas, às librés,
vagabundear conforme dita o estro,
deixar-se seduzir pela beleza,
comover-se perante a natureza,
perante as criações da mente. Isto é
felicidade, estes os direitos.

13 de outubro de 2006

Entrevista ao ESTADO DE MINAS

Neste sábado, 14-10-2006. circula no caderno Pensar, do jornal Estado de Minas, a entrevista que concedi ao jornalista e escritor Carlos Herculano Lopes, que tive a grata oportunidade de conhecer junto com Ligia Fagundes Teles em encontro de escritores — anos atrás — no circuito das águas. A íntegra da entrevista:

1) Como você vê a evolução de sua poesia desde o primeiro livro, A moenda dos dias (1979), publicado há 25 anos, até hoje, com Ruínas ao Sol (2006)?
Salomão Sousa: Nasci em 1952. Os poetas que nasceram no período em que eram lançados Invenção de Orfeu (52) e Morte e vida severina (65) — livros que sintetizam as experiências dos diversos períodos da poesia brasileira —, terão de se ajustar a novas linguagens, se quiserem participar, de forma renovada, da modernidade poética. Morreram as vertentes da poesia marginal, da poesia processo e do concretismo, além da falsa poesia de protesto praticada na vigência do regime militar. O poeta que insistir nalguma dessas vertentes estará assinando o termo do próprio funeral. Para se inserirem no panorama atual, o poeta que nasceu naquela época terá de se ajustar às linguagens daqueles que nasceram até vinte anos depois. Isto não significa que a obra anterior desse poeta não tenha cumprido o seu papel ou que não tenha funcionalidade no presente, pois aquele que fez a poesia dos anos 70 a 2000 contribuiu para a abertura das portas das buscas que são feitas hoje. Vim dessas vertentes, e, para que satisfizesse de forma mais calorosa o processo crítico e mesmo para que dele me aproximasse, tive de buscar novas alternativas para a minha poesia, buscas estas que culminaram no livro Ruínas ao sol. Mas, para isso, tive escarafunchar muito, e me auxiliou bastante a descoberta do aspecto trágico da poesia inglesa e da sutileza de Ossip Mandelstam, Eugenio Montale, Rilke… Em sua trajetória, o poeta tem de se alimentar de todas as afluências poéticas que puder abarcar sob o risco de cair na secura da esterilidade. Ou para dizer de forma mais clara: produzirá abobrinhas o poeta que não estiver aberto a novas enxertações.

2) Ainda sobre os seus 25 anos de poesia, parece que você está organizando uma antologia com todos os seus poemas? Dá para adiantar alguma coisa?
Salomão Sousa: Safra quebrada, título do livro que já está pronto para edição, foge um pouco dos parâmetros de uma antologia, mas não contempla a totalidade dos poemas dos meus livros. Deve ser editado até o final do próximo semestre, se os recursos prometidos não forem abortados. Ainda que não seja publicado, só a sua organização contribuiu para que eu revisasse a minha produção e também tomasse conhecimento do conjunto daquilo que já escrevi. A cada poema dos meus dois primeiros livros, no momento em que eu fazia a nova composição, sentia me rondar o clima pesado, negro, ameaçador do regime militar. Muitos dos poemas eu revi com aquela dor antiga que eu carregava na espinha enquanto trabalhava nas repartições públicas, ali na Praça dos Três Poderes. Dos poemas dos demais livros, sentia as incertezas da poesia das décadas de 80 e 90, que ainda não vislumbrava saídas para o beco em que ela se encontrava. Assim, pude ter mais consciência daquilo que produzi, e consolidar uma objetividade mais consciente, que auxilia na formatação de uma obra.

3) Muita gente nova tem feito poesia atualmente, e parece que as editoras voltaram a investir no gênero. Você tem acompanhado este processo?
Salomão Sousa: O investimento atual ainda é insuficiente e beira o enganoso, pois o mercado editorial e as forças críticas, acreditando que a “facilidade e a superficialidade” são suficientes para a conquista do mercado, acabam investindo – em nome da Poesia – em textos do mais desbragado e inútil prosaísmo, que não servem para a formatação de linguagens e muito menos contribui como auto-ajuda. Há muitas contradições. A poesia brasileira avançou muito em termos de linguagens que recuperam a inteligência dos tropos, a mesclagem do urbano e rural, o delírio da criação, e as espertezas da sonoridade. A sonoridade voltou a ser necessária, através da invisibilidade das assonâncias e aliterações. E ainda assim vemos carradas de obras de falsidade lírica, de anotações inúteis de incidentes cotidianos e da intimidade dos poetas. É tanta a falsidade que muitas dessas obras não conseguem ficar dois dias em cartaz, mas servem para a momentânea projeção nos grandes prêmios. Salva a atuação das pequenas editoras, como Lumme Editor, e de títulos da Cosac. Destaco dos vários poetas atuais os nomes de Marcos Siscar e de Antônio Moura, este com o vivo Rio Silêncio.

4) Além da poesia você já se aventurou por outros gêneros literários, como a prosa, por exemplo? Já pensou em escrever algum romance?
Salomão Sousa: Não sou prosador, pois não tenho o domínio da fabulação. Talvez pudesse enveredar pela crônica ou pela crítica. Mas sai muito cara, atualmente, a prática da crítica. Ela se profissionalizou, com o gravame de desprezar o colorido pessoal. Fria, impessoal, hábil no resumo. Quem foge desse parâmetro, acaba apunhalado. Qualquer crítica mais vivaz provocará tréplicas intermináveis. Perdemos a humildade, pois a homem da modernidade é auto-suficiente e intocável. E acaba saindo ruim para todo mundo. É numa ambiência de divergências que surgem as descobertas, a proliferação das novas linhagens, a renovação genética da poesia. Já é famosa a frase de Nelson Rodrigues: toda unanimidade é burra. Certa vez fiz uns comentários para o Iacyr Anderson Freitas sobre a sua poesia, e ele me respondeu com satisfação, pois ninguém ousava questionar ou mesmo apontar rumos para que ele amadurecesse o seu processo criativo. E, veja bem, o Iacyr Anderson Freitas tem o domínio da composição poética desde o primeiro instante em que se lançou.

5) Ganhar prêmios literários, como o último que você faturou — o Prêmio Goyaz de Poesia — significa o quê na vida de um escritor? Ajuda a abrir portas das editoras?
Salomão Sousa: O escritor só se constrói através da própria obra. A concessão de um prêmio pode abrir as portas da crítica, e até das editoras, principalmente quando o prêmio cuida do financiamento. Se não fossem os editores apaixonados por poesia, todos os poetas teriam de custear a edição de seus livros. Basta ver que há editores atuais que estão fazendo tiragens de duzentos/trezentos exemplares. Há livros de poesia que estão saindo em edição de cem exemplares. Só a paixão pelo livro para que um editor trabalhe numa edição de cem exemplares! Os poetas ainda são editados por outra razão muito simples: dão status ao catálogo das editoras. Se não fosse por status, o Brasil não conheceria as obras de Eugenio Montale, de Rilke e de tantos e todos os outros. Editor está atrás de autores que encham o cofre — mas o lucro é inerente a qualquer atividade econômica.

12 de outubro de 2006

12-10-06. Terminei a leitura de Kyoto, e , ato seguido, de Mil Tsuros. Só para contrariar o meu ponto de vista anterior, em Mil Tsuros há algumas sutis mortes, inclusive algumas mortes subentendidas. Quem for ler Mil Tsuros é bom saber que "tsuros" são pássaros feitos em origami. E diz a lenda japonesa que, se forem feitos mil tsuros, em origami, a pessoa será feliz. E, na confecção de mil tsuros, em grupo, é obtida a harmonia. O livro se desenrola como o próprio ato de fazer os mil tsuros, pois as decisões vão sendo adiadas, mas até no adiamento a felicidade é alcançada. Sutilezas e mais sutilezas, como dissemos anteriomente. Moral: cada ato de nossa vida é um tsuro que acabamos de montar. E devemos estar preparados para que ele seja concluído com perfeição.
Mas é bom lembrar que, quem for começar a leitura de Kawabata, deve tomar primeiro A casa das belas adormecidas, que motivou Gabriel Garcia Marquez escrever Memórias de Minha Putas Tristes, seu último livro.

E já estou em outro autor. Há muito tinha assistido o filme com Marcelo Mastronni sobre a novela Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi, mas fiquei adiando a leitura do livro. Agora, depois de ler o livro As Verdades das Mentiras, de resenhas de Mario Vargas Llosa, não pude me conter de tomar este pequeno livro. A sua paixão por este livro me contagiou. Trata-se de uma pequena obra prima - diga-se de passagem. Li apenas 5, 5 capítulos iniciais, o suficiente para me emocionar em muitas frases. O bom livro sempre tem um grande início. Quando lemos o início de Tabucchi, não dá vontade de conhecer o resto, o próximo personagem? E a poesia da segunda frase? E, lá pelo quinto capítulo, quando entra a mocinha, e Pereira dança com ela? Que vontade dá de dançar com ela!!! Vamos às duas frases inciais:
"Afirma Pereira tê-lo conhecido num dia de verão. Um esplêndido dia de verão, cheio de sol e ventilado, e Lisboa reluzia."
E, brincando com minha sobrinha, a quem um garoto queria presentear com um anel, eu sugeria a ela narrar a sua aventura, pensando justamente em Tabucchi: "Terminara setembro. Pensando na fertilidade das chuvas, o garoto comprou o anel." Quem sabe a sobrinha, num futuro, narre as suas memórias, pensando nestas sutilezas romanescas.
De forma anônima, quanto a um tópico deste blog, recebi o seguinte questionamento, que considero ótimo, pois eu também me inquieto com a questão:

"O que é mais dificil para um poeta? Decidir finalizar uma poesia? ou se controlar para não se ver envolvido na reformulação dela?"

Não é só o poeta que se vê tentado, a cada leitura, a promover alterações na sua obra. São muitas as obras de ficção que sofreram alterações nas sucessivas edições em vida dos autores. Cite-se Os Sertões e Grande Sertão: Veredas. Veja-se o caso de estudo de Manauel Bandeira ou Ledo Ivo (estou em dúvidas neste momento sobre a autoria do artigo) sobre as alterações que Castro Alves fez no antológico poema Mocidade e Morte. Ainda ontem tomei conhecimento de uma edição definitiva do romance Pedro Páramo, de Ruan Rulfo, pois a família descobriu que, nos últimos anos, era desejo deste grandioso romancista mexicano fazer alterações em uns três ou quatro pequenos pontos desta obra capital do acervo da literatura mundial. Quero esta edição, mesmo que tenha uma edição critica lindíssima da Coleção Archivos da Unesco. Mas agora descubro que esta edição crítica da Unesco, afinal, não é a definitiva. Portanto, as alterações continuam pos morten. Ainda agora sai edição de luxo do Corpo Geral, do Guimarães Rosa, retomando a disposição original deste ciclo de novelas, já que ele manifestou este desejo em carta ao poeta Alphonsus Guimaraes Filho.

Portanto, o poeta é um ser dialético, que está em constante aprendizagem, e tendo sendo novas visões sobre a escritura e a estrutura de seus poemas. Não é à toa que as primeiras obras de alguns poetas acabam sendo banidas do corpus de suas obras. João Cabral de Melo Neto extirpou do corpus de sua obra completa a maioria de seus poemas iniciais, bem como reescreveu muitos outros.

Há poemas que nascem inteiros e que não merecem reescrições. Assim, a dificuldade não é a reescrição, mas o momento de decretar o estado definitivo de uma obra. E mais que o momento definitivo, dificuldade para o poeta é o instante do nascimento do poema, de sua gestação, pois, depois de sua primeira redação, algum caminho está definido. Agora, quando tempo este caminho exige a presença do poeta, é uma incógnita. Eu gosto de reescrever. E acredito que nunca perdi com isso.

10 de outubro de 2006

De tanto o Robson insistir, improvisei dois minicontos e postei no desafio literário da Unisinos.
http://www.unisinos.br/desafio_literario/

A santa boa

Quem viajou menos, viajou três dias. Só para ficarem todos juntos com as escrófulas no tanque de água benta.

Rodoviária

A pasteleira e sua pequena filha ajeitam os pastéis em fila.

A MORTE DO CUBANO GUILLERMO CABRERA INFANTE

Lamentei não poder participar do féretro do cubano Guillermo Cabrera Infante, que, às 23h15 de 21 de fevereiro de 2005, no hospital Chelsea and Westminster, faleceu em Londres, onde vivia exilado, vítima de pneumonia, complicada pela diabete, após ter se internado dias antes em razão da fratura do quadril. Sempre que morre um dos meus escritores preferidos, tenho a sensação de que fiquei um pouco menor, assim com menos dias. São poucas as vezes que me sinto assim um pouco mais órfão. A última vez aconteceu com a morte do amigo José Godoy Garcia. Os grandes escritores me protegem da ignorância e da sensaboria da vida.

Nascido em Gibara (Cuba), em 22 de abril de 1929, Cabrera Infante é uma das figuras de maior destaque da intelectualidade latino-americana. Formado em Medicina, que abandonou pela Literatura. Formou-se em seguida em jornalismo e, ao praticá-lo, chegou à sua outra grande paixão – o cinema. Em 1951, fundou a Cinemateca Cubana.

Chegou a estar preso na campanha para derrubada de Fulgêncio Batista. Com a chegada de Fidel Castro ao poder, aceitou o cargo de adido cultural em Bruxelas, pois, conforme declarou, “não agüentava ficar em Habana. Não suportava ver-me transformado num corrompido”. Depois de criticar o regime de Fidel pela ligação ao comunismo e prisões, pediu asilo político à Grã Bretanha. A última vez que esteve em Cuba foi em 1965 para assistir o enterro da mãe. Vivia em Londres, onde exercia o jornalismo.

Na oportunidade em que anunciou a morte do marido, a atriz Miriam Gómez disse que "Ele morreu sem pátria, mas sem amo. Ele levava Cuba dentro dele. Sua Cuba não existe mais."

Além de trabalhar para o cinema, principalmente no roteiro de Debaixo do vulcão, é na literatura que se destaca. No romance Três tristes tigres, de 1967, em catálogo no Brasil, Cabrera Infante usa linguagem descontraída e cheia de trava-línguas para recriar a cultura, a música e a noite da Havana pré-revolucionária, com os cabarés e cassinos controlados por gângsters. Outros livros de Cabrera publicados no Brasil: Vista do amanhecer no trópico, Havana para um infante defunto, Mea Cuba, Delito por danar o cha-cha-chá, e Puro fumo.

Era um sério candidato ao Nobel após ganhar, em 1967, o Prêmio Cervantes, maior condecoração da literatura espanhola. Em Vista do amanhecer no trópico o leitor encontrará a capacidade de Cabrera Infante para a condensação, a ironia, a pureza narrativa — caracteres peculiares de toda a sua obra. Em Havana para um infante defunto e Mea Cuba, além da versatilidade do seu texto, estão a sua paixão e a sua tristeza por não poder retornar ao solo pátrio. Com a sua morte o mundo das letras está menos inteligente.

Continuo a minha leitura da obra de Yasunari Kawabata, Prêmio Nobel de 1968, que suicidou em 1972. Difícil compreender o suicídio de um escritor que expôs com tanta ternura as sutilezas dos gestos humanos. Estamos nos desabituando a ver na arte a vida enquanto vida. E os japoneses são mestres nestas sutilezas, basta ver os filmes Ozu. Os personagens de Ozu, em seus conflitos internos, não precisam dar tiro, esfaquear. Não me lembro de nenhuma morte nos filmes de Ozu. Os seus personagens são criados para viver.
No discurso de recebimento do Prêmio Nobel, o poeta Salvatore Quasimodo disse que o político quer que os homens saibam morrer corajosamente, enquanto poetas querem que os homens vivam corajosamente.
Kyoto, romance de Kawabata, recentemente lançado pela editora Estação Liberdade, é um hino de amor à cidade que dá título ao livro. E um hino de amor à vida, de uma vida vivida corajosamente. Leio cada frase com a emoção à flor da pele. Leio cada livro de Kawabata com o desejo de ele não chegar nunca ao fim, pois temo que, ao concluir a sua leitura, o mundo volte a perder o amor à vida.

8 de outubro de 2006

Reformulei um poema que está postado abaixo. Será que melhorou?

Estive com convivas nas esquinas
Gafanhotos agarrados às folhas de milho
e homens disputavam decisões do destino
Estive nas estradas de Muquém
aquém de mim viviam os milagres

De Anicuns trago novos bordados
serragem, serradões trago das trilhas
e nas roupas desmanchadas gotas de orvalho
Aprendi novas fisgadas em Aruanã
Trago o brilho das fiadas de peixes
Outros trajetos de nuvens
jeitos de ver a nudez, luzir as louças
Outras descidas aos poços das barras
As caixetas feitas com zelo
pus no bornal em Santa Luzia

Vamos fazer greves nas esquinas
Vamos às barras colher embiras
Sangrei em todas as trilheiras
Volto de Anicuns, de Palmira
das cheias altas, das estivas
De Floripa vêm ripas de gelo
De Palmelo, a loucura nos cabelos
Com desertos da morte eu estive
larvas brancas, esconderijos de sal

Domingo lento

É um domingo branco, que foi lavado pela forte chuva da véspera. Sobre o branco do papel, a visita de uma formiga, destas que crescem sob as cascas da madeira. Quantas vi na infância fugir enquanto a lenha se queimava na fornalha, assustadas, sem rumo, pela perda da moradia.

Ela circula, desce, se perde entre os livros. Da vizinhança, não só as vozes festivas, também chega o batuque de um pandeiro.

Terminou o disco de Andrew Hill, de competência para os arranjos de seus discos jazzísticos e para as perfomances ao piano. A formiga retorna e fica em dúvida quanto ao destino.

Leio Salvatore Quasimodo. Quem não esteve perdido numa ilha? Num livro, numa folha em branco? Já não teve a vontade de partir? Traduzo o poema O Alto Veleiro só porque contém a palavra "limoeiros", pois é minha intenção, num futuro distante, organizar uma antologia só com poemas que tragam as palavras "limões" e "limoeiros". E será dedicado à Mara Puljiz, que vi crescer entre limões. São rara as crianças de hoje que terão desmanchado um ninho de formigas para saber que elas, antes de cescerem, são pequenas larvas brancas, cheias de gosma. Se o livro nunca sair, fica aqui a dedicatória à Mara Pulgizz, que viu muitos ninhos de formiga.

Chega também um e-mail do Herondez Cézar com uma carta de Cortázar sobre a morte de Che. Deixo aqui um pedaço da carta para a Nayara, que conheci ontem na Livraria Cultura, onde falamos de Cortazar. O universo da cultura é feito de pessoas que circulam procurando ninhos de formigas, buscando onde ancorar um pouco de sua humanidade. Nayara, olha que lindo o pedaço da carta de Cortazar: Quiero decirte esto: no sé escribir cuando algo me duele tanto, no soy, no seré nunca el escritor profesional listo a producir lo que se espera de él, lo que le piden o lo que él mismo se pide desesperadamente.

E a tradução do poema de Salvatore para todos os amigos do dia, principalmente para as viagens brancas de Ronaldo Costa Fernandes. E também para a formiga.

O ALTO VELEIRO


Salvatore Quasimodo


Quando vieram pássaros mover as folhas
das amargas árvores que rodeiam minha casa
(eram cegos voláteis noturnos
que cavavam seus ninhos nas cortiças)
levantei o rosto para a lua
e vi um alto veleiro

No perfil da ilha o mar era de sal;
a terra se estendia e antigas
conchas brilhavam aderidas às rochas
sobre a enseada de limoeiros anões.

E disse à minha amada em que se agitava um filho meu
e por isso tinha sempre o mar na alma:
“Estou cansado destas asas que batem
num ritmo de remos, e das corujas
que se lamentam como cães
quando há vento de lua nos caniços.
Quero partir, quero deixar esta ilha.”
E ela: “Oh, querido, já é tarde: fiquemos.”

Então fiquei a contar lentamente
os reflexos vivos da água marinha
que o ar juntava em meus olhos
a partir do corpo do alto veleiro.



Mandei hoje a nota abaixo para os amigos do orkut. Poderia ter acrescentado que foi publicada crônica minha no jornal A VOZ, de Silvânia GO). A crônica é a propósito do aniversário de Silvânia, minha cidade, no último dia 5 de outubro. Nossos abraços afetuosos para o André Leones, que, ne mesma edição do jornal, noticia o lançamento do Ruínas ao Sol e outros parangolés afetuosos (pode ser vista no seguinte endereço: http://canissapiens.blogspot.com/, blog deste novo escritor goiano, de legítima genética silvaniense, recentemente premiado).
O jornal A VOZ pode ser conferido no seguinte endereço: http://www.aprendizadomarista.com.br/jornal_a_voz.htm
A nossa crônica saiu na 46ª edição, que ainda aguarda postagem.

Recebi de Natal (RN) o n° 32 da revista Papangu, com artigo do poeta Lívio Oliveira sobre a nossa obra poética, principalmente sobre o livro Ruínas ao sol. Junto com a revista, o poeta me mandou o seu livro Telha Crua.E, neste domingo, 8, em Goiânia, no Jornal Opção, foi publicada a minha crônica sobre a viagem que fiz a Bom Despacho (MG). A crônica pode ser conferida nmo meu blog (www.safraquebrada.blogspot.com) ou na versão online do jornal (http://www.jornalopcao.com.br/), rolar até o ícone Opção Cultural e, dentro da página, procurar a minha crônica. Na mesma edição do jornal, resenha do meu amigo Ronaldo Costa Fernandes.Bom fim de semana para todos os amigos

5 de outubro de 2006

Poema novo para os convivas

E se ela viesse a nau dos dias iria ancorar
em ondas de homens em carne viva
Ah! se cumprisse a visita numa noite
estopas, taipas mortas se acenderiam
Muitos mortos aguardam de olhos vivos
E se ela viesse viriam fadas, falas, cavalarias
viriam virtudes que antes se emudeciam
Fazem carnaval os poetas, as madeiras,
as montanhas aprontaram os ouvidos,
os leitos secos dizem que estão limpos
Ah! se ela viesse viriam as chuvas
os mastros das bandeiras, os convivas
Viriam as vozes, viriam as águas-vivas
Não era ela vir com a vivacidade da manhã
Às vezes a rosa é rosa por não vir

2 de outubro de 2006

Lista com sugestões de leitura preparada junto Alaor Barbosa e Napoleão Valadares

Durante a viagem de volta de Bom Despacho, eu e Napoleão Valadares e Alaor Barbosa elaboramos uma relação de livros que sirvam de formação de leitores entre 10 e 15 anos. Tentamos a elaboração de outras listas, mas o debate da obras de Guimarães Rosa, Bernardo Élis e José Godoy Garcia acabou se sobrepondo aos demais assuntos.

Quanto à lista de livros para a formação do gosto pela leitura, o Alaor deu preferência a quatro livros de Monteiro Lobato: Reinações de Narizinho, Chave do Tamanho, O Saci e A Caçada de Pedrinho.
Os demais livros de nossa lista: Encontro marcado, de Fernando Sabino; O braço direito, de Marcos Rey; A Ateneu, de Raul Pompéia; Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos; O cego de Ipanema, de Paulo Mendes Campos; Ai de ti, Copacabana!, de Rubem Braga; Menino de engenho, de José Lins do Rego; Iracema, de José de Alencar; A hora da estrela, de Clarice Lispector; Uma vida em segredo, de Autran Dourado; Introdução à poesia brasileira, que contém antologia organizada por Manuel Bandeira; e Quincas Berro D'Água, de Jorge Amado.

E montamos uma lista de livros de autores estrangeiros que contribuem para a formação do gosto pela leitura: O velho e o mar, de Hemingway; Os meninos da rua Paulo, de Ferenc Molnár, que tem edição nova pela Cosac e Naif; A comédia humana, de Saroyan (lamentável que a tradução dispon´vel existente esteja tão ruim, mas mesmo com a tradução e a revisão ruins, o livro não deixa de ser cativante); O visconde partido ao meio, de Italo Calvino; Viagem ao centro da terra, e A volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne; As aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain; Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco; A ilustre casa de Ramires, de Eça de Queiroz; O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry; O menino do dedo verde, de Maurice Druon; a noveleta O capote, de Gogol, que contribuiu para a formação da literatura russa, clima, olha! perfeição; A mãe, de Gorki; e qualquer livro que tenha algum conto ou vários contos de Tchekov. Quem não leu um conto de Tchekhov vai morrer bem menor, bem menos humano. Só não lê quem não quer, pois a lista de livros apaixonantes é interminável.

Chegamos a completar a lista dos setes melhores atores do cinema nacional: Raul Cortez, Othon Bastos, Leonardo Villar, Carlos Vereza, Lima Duarte e Milton Ribeiro. Não conseguimos completar a lista das melhores atrizes.

VIAGEM COM GUIMARÃES ROSA A BOM DESPACHO

Riquíssima a nossa viagem a Bom Despacho, em Minas Gerais, para participar da VI Feira do Livro daquela cidade, a convite do escritor Jacinto Guerra, organizador do evento e construtor do desenvolvimento cultural daquela região. Visitamos o patrimônio histórico-cultural, participamos de debates, de oficina literária, de lançamentos; e, no retorno a Brasília, pude conhecer, em conversa com os escritores Alaor Barbosa e Napoleão Valadares, que são especialista em João Guimarães Rosa, peculiaridades da gênese do romance Grande Sertão: Veredas.

Ficamos instalados no SESC, onde foram realizados todos os eventos da VI Feira do Livro de Bom Despacho e Cidades Vizinhas, exceto a feira do livro e as conversas com escritores na Praça da Matriz. Na abertura do evento, debate sobre as origens históricas da criação do município de Bom Despacho, com destaque para o depoimento de Orlando Ferreira de Freitas, historiador e genealogista, autor do livro Raízes de Bom Despacho. Além da palestra de Alaor Barbosa sobre o regionalismo brasileiro, ainda merece destaque a participação do escritor e jornalista Ozório Couto sobre o tema "Drummond e Emílio Moura: a poesia brasileira em Itabira e Dores do Indaiá". Ozório Couto, um dos grandes conhecedores da obra de Drummond, e autor de um livro sobre a relação dos dois poetas, foi feliz na conceituação da amizade como um dos principais sentimentos do homem.

Sobressai ainda, nesta aventura de Bom Despacho, a viagem de volta junto com Alaor Barbosa e Napoleão Valadares, pois são especialistas na obra de João Guimarães Rosa e travaram animadas discussões sobre a gênese do romance Grande Sertão:Veredas, que comemora 50 anos agora em 2006.

Antes é bom lembrar que João Guimarães, certa vez, desceu do trem em Bom Despacho para visitar um seleiro amigo, a quem presenteou com um exemplar da primeira edição do Grande Sertão: Veredas pelo conserto de uma sela. A confidência dessa relação de Guimarães Rosa com Bom Despacho foi feita a mim e a Jacinto Guerra pelo músico Vagner, neto do seleiro, que encontramos na biblioteca pública fazendo pesquisas para um disco que prepara sobre música folclórica da região. Vagner confidenciou mais: o exemplar autografado está na Bahia, mas há possibilidade de ser cedido ao museu de Bom Despacho.

Não vou conseguir dar ordem a todas as discussões dos dois amigos, principalmente pela informalidade em que elas se deram, e também pelas condições naturais que interferem nas conversas das pessoas que estão em viagem. Mas tentarei recuperar alguns flashs. Por exemplo, o Alaor lembrou que Riobaldo esteve no Jalapão numa época em que a localidade não era atração turística. Alaor Barbosa e Napoleão Valadares relataram ainda os encontros que mantiveram com Manuelzão e com Sidraque. Alaor acredita que Diadorim está enterrado no Paredão e chegou a visitar o cemitério daquela localidade. Já Napoleão tem dúvida quanto a essa hipótese, e, no encontro com Sidraque, pôde apurar que não existe o sobrado descrito no romance. Sidraque lhe disse que isso foi invenção do romancista; no entanto, disse que no lugar da descrito até existe algumas estacas.

Ambos foram unânimes em reconhecer que ao Grande Sertão: Veredas estão enxertados personagens reais. Napoleão Valadares, que tem o punhal, o facão e o cabo de taca de Antônio Dó, fez vasto relato da vida real desse personagem, que foi perseguido por várias missões policiais. Na primeira delas, o chefe morreu afogado na fuga. Fez um relato especial, colorido de detalhes, sobre a luta de Antônio Dó com Alcides do Amaral. Lembrou que esse delegado de São Francisco tinha um cachorro com um dente de ouro, o qual levava para atacar presos, pois “gostava de ver o sangue escorrer no ouro”.

Foi saboroso ouvir Napoleão Valadares narrar a história do seu conto “De Dó”, publicado no livro Campos Gerais, editado em 2004 pela André Quicé Editora. Em Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa conta parte da vida dos jagunços Faustino e Davidão e sugere que algum outro autor complete a história. O conto dá continuidade à história dos dois jagunços, que negociam um pacto de morte. Só lendo para crer nos entrechos e no final.

O escritor Alaor Barbosa, um dos mais importantes ficcionistas de Goiás, especialista na obra de Monteiro Lobato, e amigo e amante da obra de João Guimarães Rosa, comentou os seus projetos literários para os próximos meses. Primeiramente, organização de um livro para a LGE — ainda sem título — com artigos que escreveu ao longo de sua vida sobre a obra de Bernardo Élis. E, ainda, publicação de Sinfonia Minas Gerais: vida e literatura de João Guimarães Rosa, e O Romance Regionalista Brasileiro — Origens: obras fundamementais, evolução: obras capitais; e reedição do romance Memórias do Nego Dado: Bertolino da Abadia. E vem fazendo estudo, principalmente com visita às fazendas de Piracanjuba, com vistas a escrever um ciclo de romances sobre a história de sua família.

Passamos por Pompéu, cidade vizinha a Bom Despacho, para uma visita relâmpago à escritora Edméia Faria. Mundo pequeno. Ao entrarmos num bar para “verter água” um filho de Arinos reconheceu Napoleão Valadares. Enquanto conversávamos com aquele filho de vizinhos da fazenda da família do Napoleão, uma garota encostou a bicicleta no meio-fio. Após dirigir-se ao balcão e pedir um lanche, escolheu a cadeira próxima à porta de saída do bar para se sentar, e ali ficou iluminada pelo sol escaldante do meio da manhã, com as pernas vazando douradas do short curto. Mas não disse com a boca úmida de gordura:

— Salomão! Eu te conheço.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...