31 de janeiro de 2014

Poema estrangeiro

Atrás de um balcão, das raias
da inquietude das horas enfermas,
n
ão vais negar o colo
ao que vai se apresentar
para os ensinamentos reais
que desejas acumular com as escolhas,
com as escoltas, escutas insuspeitas,
com exig
ências de identificação,
de relatorias solid
árias ao conteúdo.
Tens fixos teus itiner
ários
em que remas e rememoras,
sem que exijas do imagin
ário
que transita na afli
ção
de outro que circula,
que ir
á apresentar elementos
para a ficha reguladora,
o
óleo para o forno dos ícones,
registros heroicos em cera
nas t
ábuas da memória.
Tens suspiros em que sorves
uns ventos, uma saliva,
p
ó em acúmulo nas peles,
em que ressopras na opress
ão do fôlego.
Pensas em penetra
ções,
pregos de cabe
ça cônica, ogivas
que se acasalam em a
éreos
espa
ços longínquos da neve.
Pensas em dessorar os ovos goros,
as horas podres, os odres
que agora algu
ém enche
numa periferia de aldeia. Pensas
no alde
ão a esvaziar as tetas.
Em reservar rumos
à rotatória dos astros,
em companhias para tuas
hiberna
ções, saturnais
em c
âmaras quentes, quase
ac
úmulo de ossos, reservados
raios de sol para depois
do despojo, da orquestra
ção
que o hor
ário nobre não vivenciou.
Quase te v
ês carregada
ap
ós um forno, após
punhos
ásperos, mãos ríspidas.
Te v
ês estendida para resfriar
das queima
ções, da extinta angústia.
Conclui-se o julgamentos
e imaginas quantas condena
ções
ficaram fora de pauta.
N
ão retornarão os que se apresentaram
com as fichas completas,
com polpas na bagagem,
esporas prontas para a encilha.
Esquecidos flancos
em que algu
ém passava a escova.
Lamentas os que n
ão
se apresentaram enquanto era dia,
o bilhete que nunca veio
no momento em que tudo era grave,
era intenso e era dispon
ível.
De todos os lados
uma fronteira que te oprime,
se n
ão dominas em Bulhões,
An
ápolis, em Pindamonhagaba.
A planta
ção ondula sem teu sopro,
sem teu gozo e falecimento.
Os talos apodrecem
sem que tenhas dado as dicas,
as formas corretas de deteriorar.
Deteriora em uma lembran
ça
a negada car
ícia, as últimas
ondula
ções para o desmaio.
Esquecimentos do p
ássaro
fora do ninho, do len
ço
que permaneceu limpo,
da A
ção Penal 69
que poder
á entrar no livro didático,
que em ningu
ém causará furor,
mas n
ão se esquecerá do coito,
de um c
ão numa beira de estrada,
de ter abra
çado o filho
da prostituta, quem trazia teu leite,
dos recados dos seres brutos.
Esquecimento de uma boca aberta
no assento de uma viagem.
Levantar
ás teus olhos
das gemas que se organizam
no caleidosc
ópio de teu balcão.
Para conservar a estirpe,
algu
ém não se identifica,
e vai de veste rota,
esfolado pelo sol sob o chap
éu de feltro.
Por mais que identifiques,
BMF40D3, na planta
ção
se infiltra sem identidade
a lagarta helicoverpa arm
ígera.
N
ão identificas sequer a fronteira
por onde invade uma m
ínima lagarta
sem identidade ou gene decodificado.
Ter
ás de reconhecer quem se apresenta
para trazer uma ere
ção, um vírus,
a ta
ça de conhecida aminofilina.
Deixar
ás de exigir a identidade,
a limpeza da pele e da folha corrida.
Em frente ao portal da vit
ória,
enquanto organizas teu canteiro,
enquanto prepara o ung
uento,
o fum
ígero veneno,
pensar
ás na cópia dos rostos,
apenas l
ábios, cílios,
mostrador de horas
quase em teu colo, em tua boca
quase ro
çam as braguilhas.
E mais avan
çaste o rosto
para destravar a presilha.
E mais inunda
ção reclamaste
para a composi
ção da ilha
onde j
á desenhavas teu resort
pleno de eufemias.
Ouves o bul
ício dos cães,
dos grossos e indelicados
ap
ós retorno ao teu cortiço,
ao teu templo de
ídolos ausentes,
às orientações do cardealício.
Aberta deixas tua casa,
teu templo, teu flanco
organizado como montanha
na manh
ã de névoa.
Enquanto lavas tua fronte,
pensas em quem identificaste.
Enquanto perfumas teu
ânus,
quem veio pela fronteira
deixou de ser o forasteiro.

Tudo descora. Até as algemas,
at
é a dinamite que roçou o colo.
Quanto mais a p
élvis, o rosto identificado
num posto de fronteira.
Neste momento algu
ém viaja
para se apresentar
à deterioração.
Prepara-te para identific
á-lo,
registr
á-lo, aboná-lo com tua estricnina.

MELINA GUTERRES


TOLOS
 
maio de 2010.

I

Do céu vem pedras
No chão há pedras
Paredes, muros, palavras...
Mãos..

Que venham as pedras...

Mas cuidado com o louco,
Este insiste em jogar flores,
Mais cuidado com o mago,
Tão perigoso quanto,
É alquimista,
Transforma flores em sementes

Mas recolham suas pedras
Quando cruzarem com os ingênuos,
Filhos de magos e loucos,
Estes geram frutos...

Não sejamos tolos,
Eles não acreditam em pedras...

II

E estão cercados de bons e maus administradores
Que asseguram sua proteção,
Os bons enfrentam tempestades
Os maus deixam estragar uma colheita

Mas...
Filhos de loucos com magos,
não se cansam de plantar,
Ingênuos,
são na essência,
unicamente
coração,
por isso
dão frutos,
não pedras


III

Lobos e leões
Os cercam,
Um vento forte surge,
Em silêncio se despedem os tolos
A tempestade se aproxima
O fruto vinga
Leões e lobos o devoram
O ingênuo?
Foi plantar em outra terra
Mais preparado
Mais próspera
Sem animais,
Ele aprendeu
A fazer a cerca.

IV

E os tolos
Defendem-se através de palavras
Os ingênuos nada falam
Bastam em suas mãos os calos
Nas vestes sementes
Só o cego não vê,
Mas este tem o tato
Do discurso está fadado
Ele sente


V

Num suspiro, aliviado (após tantas vozes)
O cego pede silêncio e questiona:
E tu ingênuo, o que tens a dizer?
Ele então responde:
Pudera voltar acreditar no que um dia ouvi e abracei.
Mas? – pergunta o cego
- Não acredito em discursos!

VI

Um silêncio toma conta
Do lugarejo
Os tolos se retiraram com suas pedras
Os animais desistiram de esbarrar na cerca do novo plantio
E o cego foi levado a casa
Pelo ingênuo

VII


O povo se reune
O ingênuo não era ingênuo
Quem era este então?
Um louco responde:
O cidadão!
Como ninguém acredita em loucos...
Pedras no louco...

VIII

O cego ao ouvir o barulho,
Perguntou:
O que jogam no louco?
Pedras – respondem
E o que ele joga?
Flores
Por que cego? – pergunta algum tolo
Alcancem-me as flores, pois devo estar louco
Mas ninguém joga pedras num cego – insiste o tolo
Ele então responde:
Prefiro as pedras à cegueira.
O tolo, então, pronuncia:
Cuidado com o cidadão!!!,
Este é altamente perigoso,
Acaba de dar ao cego,
A visão!

29 de janeiro de 2014



Não é questão de noite ou de luz.
As grades desaparecem com os habitantes,
com a infância dos meninos,
anulam a humanidade no homem.
As grades são incivis.
Quase se ouve os cães, o grave
de uma quase música.

Nas redes os encontros serão marcados
para abolir o cerco das muitas grades.
Transformar em música
as tontas batidas muito graves.
Críticos tecem comentários
com soldagem de mais cercas.
Os habitantes articulam rebeldia
Ilhadas, pragas a anular o abraço.

Sobram distantes diálogos quase audíveis
em intertextos de dúvidas e de erros.
E uma energia percorre o cansaço
de ser ilha, de ser rede.
Não sairá impune nem a mão do redentor.
E se não são gente para a indiferença
as flores assanhadas ao sol.

Crepúsculo na varanda


Se há origem, a água
se une para a corrente.
Se há aquele que a vê,
num fluxo a água no rego.
Se há inseto que caia,
num luxo de ordem a aranha na teia.
Antes passou por uma flor
o algodão de uma veste.

Não há trieiro para retorno a uma origem.
Que ele foi extinto por outra palavra.
Que ele se recobriu pela ausência dos passos,
palavras que chegaram sem a presença
alcançada pelo crepúsculo numa varanda.

Não há milagre se é muito pecado,
se é muito jeito de não ter compaixão.
As palavras assomam acerca
se chega o estrangeiro
sem a reserva do monte de farpas.

27 de janeiro de 2014

Poema do poço do Batatal





A três quilômetros por hora se move
o vento no prado e na memória 
anuncia a previsão do tempo
Resistem os capulhos, resistem
os hieróglifos nas paredes derrotadas
Na infância perdida nos brejos úmidos
nas capoeiras dos galhos
de gestos entrelaçados
Apagou- se da memória o nome
da cidade mais antiga da história
e ainda que arraste o lixo
e que a carpina se dê lenta
são belos o homem e a mulher
à beira de uma trilha perdida em Jerusalém
numa colônia do Egito, num bairro
próximo aos restos aguados das minas
Belo o garoto que carrega uma chave
e a cancela da fronteira se abre
Talvez isso se dê em Silvânia ou na Síria
sob a vigília do girassol e do tamboril



José Emílio Pacheco

Faleceu neste segunda-feira, 27.1.2013, o poeta mexicano José Emílio Pacheco. Deixo  aqui a minha traducão de um dos seus poemas.

Sombra na neve

Nada tem a ver o jarro
em que soluçam as begônias
com a sombra da ave,  alada grafia
que não deixa marca na neve.

Nada em comum senão ser parte do mundo,
aparência por um instante
da fluidez em luta com a rigidez.

Mas a linguagem soluciona
a desunião, a discórdia.

E no verso reúne as tristes flores
com a fugaz sombra da ave.








26 de janeiro de 2014

Poema da ausência


Na hora da decisão são avaliadas
as fortes ausências com
cordames de rancor, com
arames de arestas de doenças,
quem sabe abolido álbum
de fotografia dos inimigos,
da cabine de onde se aventura,
se desgasta o câmbio
e a memória dos figos
abandonados à urticária do mofo.

Estiveram quando foi o exílio,
o cortiço a recolher os antepassados,
em puídas vestes, losna
a revestir os lábios
e as palavras da impossível
parte descoberta, 
parte rascunhada por arestas.

A ausência do crestado pão 
num cesto abandonado pela orfandade
Transitem os descendentes
numa nave ancestral,
carregados dos ovos do nojo,
das podres arestas.

Venham as saudações
nos gritos dos pássaros,
no cedido alento das velas,
dos adornos das companhias.
Avancem os passos,
a proclamada decisão de ausentar
deixando o pão pronto
para ser retirado do forno
As ausências avançam avaliadas
diante de senhores das mortes seculares

24 de janeiro de 2014

Fontes e editoração de livro de poesia

O processo de editoração é dinâmico, também. Os livros de poesia devem se aproximar da visualidade das páginas da internet. Papel que reflita mais luz, localização diferente dos poemas dentro da página, tipologia menos tradicional, que se assemelhem às usadas nas páginas da web. Tipologias como garamond, bodoni e sabon estão ultrapassadas. Basta ver que a bodoni só é usada em raríssimos livros de arte ou que reflitam memória do processo editorial. E, se possível, algum efeito visual, pelo menos de manchas e de alternância de pontos e entrelinhado diferente de um poema para outro. A revista “Amarello” é a que melhor se aproxima desta proposta, exceto que tem usado tipologia excessivamente tradicional. A editora em que me espelho é sempre a Cosac Naif (perdemos um referencial com o seu fechamento). Tem editora que sacrifica os poemas e os livros. A edição de “Invenção de Orfeu” pela Cosac Naif é um belo exemplo de livro moderno, sem perder o caráter tradicional. As edições da Alfaguara estão totalmente fora dos padrões atuais, pois não valorizam os poemas, a espacialidade da página. Estou muito feliz com meu exemplar. Não faça livros de poemas com tipologia semelhante a manuscrita. E muito menos invente alinhados à esquerda ou ao centro. Isso é coisa de quem nada entende de livro de poesia. A poesia tem deve ser alinhada à esquerda e procurar ao máximo centralizar o poema na página. Geralmente as novas tipologias são vendidas, mas muitas famílias estão disponíveis gratuitamente na internet. Cada papel exige uma tipologia. Papel fosco, bom tipologia serifada. Papel branco, a serifa deve ser mínima ou nenhuma. Tenha cautela com a edição do teu livro de poesia. Pense ele como um objeto. Olhe os livros e descobrirá o que está ocorrendo no mercado editorial. Vejo livros de poesia de dar dó. A poesia, de cara, já sai perdendo. Sugiro alguns exemplos, que podem se usadas. Abaixo os nomes de fontes, com respectivos links para download:


23 de janeiro de 2014

Poema do egocêntrico



A cidade chama pelas esquinas
Se todos insistem que temos
de ajudar alguém
vamos além, deusa, ajudar a Ci.
       
À parte fenecida de Ci,
que não entende as palavras corsárias,
as mortes sírias, que não mais enxerga
o que importa para si.

A Ci que não anda pelos parques
que vive trancada num globo
fora do circo, embevecida consigo
em múltiplas poses esmaecidas.

Para Ci, que vive num muro em Salvador,
a existir pelo enfado da ignorância ,
que está na casa em que desonra
aquele que julga insigne a si.

Se existisse uma nota sem falecimento,
uma ressonância de abas de falésias,
clavicórdio que tocasse o esplendor,
seriam horas de sol para Ci.

A cidade soldou as grades
para deixar todos ausentes de si.
A palavra cortês, o rosmarinho
à Ci que vive embevecida de si.

19 de janeiro de 2014

Juan Gelman


Faleceu aos 83 anos, no dia 14 de janeiro, o poeta argentino Juan Gelman. Por ele, tenho uma ligação emocional doentia: por duas razões: perseguido pela ditadura, teve familiares desaparecidos durante a ditadura, lutou para encontrar a neta nascida nos porões da ditadura, e também, minha emoção, pela poesia ligada ao humano, e de um alcance estrutural raro. A sua poesia influenciou muito a minha poesia dos últimos anos, Sobretudo a espacialidade do poema. Quando ele veio a Brasília, estive com ele. Deixo aqui o autógrafo que ele deixou no exemplar de sua Poesia completa, da FCE, que pedi diretamente no México, onde ele residiu nos últimos anos de sua vida. Relembro a figura frágil, com grande vivacidade em conversar comigo. Talvez um dos primeiros poemas que ele escreveu, é um epitáfio. Lamentável que o fotógrafo tenha perdido a foto que fizemos juntos. Mas talvez seja melhor a foto da poesia e do poeta na memória. Deixo aqui a tradução dos três primeiros versos do poema:

Um pássaro vivia em mim.
Uma flor viajava em meu sangue.
Meu coração era um violino.




Mas, não resisto, vamos traduzir um trecho de um texto memorialístico, que ele escreveu em Roma, nos idos de 1980:

Eu não vou me envergonhar de minhas tristezas, de minhas nostalgias. Estranho a ruazinha onde mataram meu cachorro, e eu chorei ao lado de sua morte, e estou unido à pedra de sangue onde meu cachorro morreu, no entanto existo a partir disso, existo disso, a ninguém pedirei licença para ter saudade disso.
Acaso serei outra coisa? Vieram ditaduras militares, governos civis e novas ditaduras militares, me tiraram os livros, o pão, o filho, exasperaram minha mãe, me jogaram fora do país, assassinaram meus pequenos irmãos, aos meus companheiros torturaram, desfizeram, quebraram. Ninguém me tirou da rua onte estou chorando ao lado de meu cão. Qual ditadura militar poderia fazê-lo? E qual militar filho da puta vai me tirar do grande amor desses crepúsculos de maio, onde a ave do ser tremula diante da noite?
Não era perfeito meu país antes do golpe militar. Mas era meu lugar, as vezes que tremi contra os muros do amor, as vezes que fui criança, cão, homem, as vezes que quis, me quiseram. Nenhum general vai arrancar nada disso do país, a terra que reguei com amor, pouco ou muito, terra que estranho e que me estranha, terra que nada que for militar poderá me perturbar ou manchar.
É justo que a estranhe. Porque sempre nos quisemos assim: ela pedindo mais de mim, eu dela, doloridos ambos da dor que um dava ao outro, e resistentes do amor que nos damos.
Te amo, pátria, e me amais. Nesse amor queimamos imperfeições, vidas.
 



RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...