25 de janeiro de 2020

Eu sou cada vez mais índio

Minha avó sentada no estrado
a mascar com seu único dente
o naco de fumo com cinzas
Ao me lembrar do cansaço
de minha avó a se lembrar de uma tribo
eu eu sou cada vez mais índio

Ter uma avó índia
é ter um corpo onde acariciar
e também mãos a encher uma despensa
Ter uma coisa nos leva a outras
Uma despensa leva a biscoitos
a travessas de fubá de milho e arroz
Para ter uma rachadura
nos dá a certeza de termos uma casa
e corremos o risco também
de termos de instalar nossa rachadura
nos atrevimentos de um muro

Ter um gavião também não soluciona
a questão de ser livre
se a avó nunca irá sair por uma estrada
E quem diz que uma estrada dá o destino?
A estrada não passa de um ponto de partida
Sempre que saímos de casa
vamos encontrar pelo caminho
com aqueles que renegarão
a nossa rachadura e a nossa tribo

A minha avó rodava o moinho de café
arcava sobre a fornalha com as mãos nos quadris
para com sopros avivar os tições
A minha avó índia me mandava à saroba
buscar casca de barbatimão
e assim me ensinava a tintura
e a me tornar cada vez mais índio

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...