21 de agosto de 2009

JOAQUIM CARDOZO

Antes de sair para Recife nas férias de julho, já andava atrás livro Poesia completa e prosa, de Joaquim Cardozo, editado em 2009 pela Nova Aguilar/Massangana. Estou com a edição aqui entre as mãos, cheirando a livro e poesia. Podiam ter incluído a obra teatral do autor. Nunca as coisas são tão completas tão assim.

Defrontei-me com uma espécie de bilhete de Drummond numa página. Fui ao poema citado por ele e fico pensando nas formas como nos comportamos. O poema citado por Drummond tem de estar entre os grandes da poesia brasileira, com destaque nas antologias, nos livros escolares. Antecipa as pós-vanguardas, apesar de trazer nas entrelinhas as ressonâncias regionais de sua terra. Mas só sendo um poeta com um pé numa cultura bravíssima, de fontes populares nordestinas, e outro na modernidade daqueles que construíram Brasília para aventuras de linguagem futurísticas. Ele mesmo, em três momentos, insere observações sobre essa necessidade de intercessões culturais na vontade do criador.

Beijo-te, Joaquim Cardozo.


Se me perguntassem: o que distingue o grande poeta? Eu responderia: Ser capaz de fazer um poema inesquecível. O poema que adere à nossa vida de sentimento e de reflexão, tornando-se coisa nossa pelo uso. Para mim, Joaquim Cardozo, entre os muitos títulos de criador, se destaca por haver escrito o longo e sustentado poema A Nuvem Carolina que é uma das minhas companheiras silenciosas da vida."
Carlos Drummond de Andrade

A NUVEM CAROLINA

No alpendre da casa de um antigo sítio
Onde morei por longo tempo – longos trabalhos –
Todas as manhãs eu vinha ver o dia
Que sobre as cajazeiras, longe, amanhecia.
Ao lado, ao alto permaneciam. . . entre-havia
Dois morros de matas virgens coroados.
Na abertura desses montes, sempre aparecia,
Na mesma posição, na mesma hora matutina,
Uma nuvem cor-de-cinza e leve bruma,
Com fímbrias e vestígios cor-de-ouro;
– Uma nuvem ficava entre os dois capões do mato
Por alguns quantos de tempos,
Por alguns modos de sombras temporais.

Uma vez tive a impressão que ela me acenava,
Me fazia, e tanto me fazia, em mímica, sinais:
– Gestos de fuga, de fraga, de fronde e curso d'água –
Símbolos de uma linguagem nova quase toda indecidível;
Não compreendi, a princípio, aquilo, o que nela significava,
Mas senti que eram gestos, e gestos são palavras.

Da formalização dos gestos da Natureza
Pode nascer sempre uma linguagem.

Resolvi subir o morro pela beira do corgo,
Plantado de jaqueiras novinhas.
E fui caminhando até junto da abertura das matas
Onde a formosa nuvem de cinza e ouro
Me aguardava. Perto cheguei.
Como numa só voz os gestos se fundiram,
A mim aderiram, a mim se ajustaram (juntos/disjuntos)
A mim se advinharam,
E enfim disseram em voz nevoenta:
– Estou cansada de ser um vôo,
Um vôo viúvo de uma asa; desejava ter
Comigo a asa. . . uma asa que fugisse, que batesse,
Que vibrasse no ar com um som. . .
– E eu lhe disse: – Por que apenas uma asa?
Podias ter/ser um ramo, um ramo de flores.
Um ramo de folhas verdes e sobreverdes,
Ramo de uma árvore das mais belas desta mata.
– E ela: – Ah! Quem me dera!
Me vestir de amarelo nos dias de Pau D'Arco,
Me vestir de roxas sucupiras nos momentos dos ares tristes.
Quem me dera!
– Voltei a dizer-lhe: – E por que não um animal?
Um animal que exprimisse os atos da asa?
Ou. . . mesmo qualquer um outro do teu agrado?
– Ela: – Sim, seria bom, gostaria de ser uma garça
Que é, só e toda, uma asa. Mas, poderia ser uma ovelha
Pastando o dia todo nos deslizes das colinas
Ou uma novilha já no momento da necessidade
Do amor. Podia ser uma novilha amorosa.
– De súbito me veio a pergunta: – E uma mulher?
Nunca pensaste em ser uma mulher?

Senti que a nuvem, toda em gestos de fraga e curso d'água,
Me transmitiu uma expressão de espanto.
Uma expressão de extrema. . . extrema o quê?
– Perdi o contato com a linha dos seus gestos;
Mas voltei a compreender logo em seguida.
Falou, depois de algum tempo:
– Pensei, sim, pensei muitas vezes
Mas, por fim de tudo pensando, concluí
Que mais valeria possuir de novo a asa:

Mulher deste meu vôo. No meu pensamento,
Ser árvore, ser ovelha, ou ser mulher
Que valem? Todas morreram.
Todas se perderam, todas me. . . esqueceram.

A nuvem se refere a uma anteépoca
Mais remota profunda da sua origem.

Com essas palavras começou a se esconder
Por detrás do morro, sem mesmo um gesto de despedido
[abandono.
– Nuvem de ouro e cinza, se fosses mulher
Eu te chamaria Carolina:
Carolina se chamaram minha mãe e minha irmã.
Ambas, há muito, faleceram,
Mas eu, em ti, as saudaria todas as manhãs.

Com as minhas últimas palavras, a nuvem
Levada pelo vento, já se ocultara,
Como em outros dias, por detrás da mata.
Desci o corgo, pela sua margem de gramíneas,
Ao longo, longo das jaqueiras novinhas;
Voltei a casa, e dessa conversa, e mais de tudo, esqueci.
Tarde da noite daquele dia, um vento forte: um sopro
[frio/forte,
Uma chuva contínua e prolongada
Passaram sobre o telhado; as bátegas bateram
Sobre as telhas, como dedos num teclado.
– O vento soando entre as ripas e os caibros,
Como o ar nos tubos de um órgão. –
Era uma chuva noturna, como muitas outras, e a sua música banal
Cantava no silêncio dos ares campesinos.
– Desperto, escutei toda a sua sinfonia. . .

Notei, porém, que acompanhando o som da chuva, havia
Qualquer coisa de choro e pranto malogrado.
De inundado rumor de mágoa se envolvia,
Em vento e chuva, a casa toda:
Como se fosse objeto de sonho e de magia,
Pelos ares da noite alguém chorava.
Enfim passou a forte chuva, num adeus de aguaceiro
E o silêncio voltou muito limpo e lavado.
Passou. Tudo tornou ao sossego campestre.
– Dormi até o fim da noite.

Na manhã seguinte, como sempre, ao alpendre
Saí, para ver o dia, para ver o dia,
Que sobre as cajazeiras, longe, amanhecia.
Ao lado, ao alto, entre morros, tudo era vazio:
A nuvem cinza e ouro àquele dia amanhecia.

Ao lado, ao alto, entre morros, tudo era vazio:
A nuvem cinza e ouro àquele dia
Não aparecera entre os capões do mato: não. não. não. . . não. . .
Em todas as manhãs seguintes. . . sucessivas. . .
– Nunca/não surgiu, surgiu nunca/jamais
Com gestos de fuga e longo vôo.
– Gestos de fraga, de fronde e curso d'água.

No terreno liso da composição linear
Poderemos fazer nascer, se quisermos
Álgumas árvores lógicas

13 de agosto de 2009

Encontro Ano Cultural do Senado


A notícia do evento tem gerado bastante expectativa. O Brasigóis Felício acaba de me informar que virá um ônibus com 40 lugares e a esperança é que de ele venha cheio (de escritores). O Edval Lourenço já informou que sua vinda é certa. Cada um que vier que faça a sua confirmação aqui mesmo nesta postagem como comentário.

Estamos convidados como um dos escritores que participarão do evento descrito no convite. Virão de Goiás mais de 18 escritores. Não tenho em mãos a relação completa, mas sei que virão Brasigóis Felício, Aidenor Aires, Gabriel Nascente e e e. Lançamentos. Conversas. Intercâmbio.

11 de agosto de 2009

pneumonia

E eu não podia disfarçar.
Na foto externa não aparecia
ainda a pneumonia.
Estou aqui recostado por oito dias.

Leio para gastar o tempo a primeira Clarice. A narrativa exige realmente algo convincente,
algo vivente, que sai de um fole que nem sempre todos trazem esbraseado.
O meu pequeno fole também está um tanto sem carvão, mas movemo-lo nas manivelas:



Por dissolvidas dunas
por drenos engastados nas areias podres
de drágeas moles e úteros
iguais a foles desgastados
ar não sugam
e o sopro desgastado
Na contínua missão de dissolver
os pés se movem
nos desertos de poros com drenos
Seguem pelo deserto de drogas
Nada respira ou suga ou sara
Desertaram-se as pétalas vivas
os jatos de um caudal
de um prazer que se engasta num útero
No deserto a sarna desampara
No deserto os pés de movem
e dissolvidos o meu caudal e meu útero

9 de agosto de 2009



Ordem na foto: Miguel Ángel Fernandez, Salomão Sousa e Antonio Miranda.

Na boca da noite deste sábado, recebi a visita do amigo Antonio Miranda, diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, na companhia de Miguel Ángel Fernandez — uma das grandes expressões da poesia paraguaia. Em conversa rápida para tanta poesia, anunciaram que estão desenvolvendo projeto voltado para a publicação de textos inéditos, principalmente cartas, de escritores brasileiros — no naipe de Drummond e João Cabral — que pertencem ao acervo de Miguel Ángel Fernandez.
Conheçam a poesia de Miguel Ángel Fernandez na página do Antonio Miranda. Perdão: tentei, mas não consegui disfarçar na foto a convalescença de uma bronquite contraída na semana passada.



Neste Dia dos Pais, levei meus netos para um passeio ecológico em plena cidade, assim sem sair mais de quinhentos metros de minha casa. Ver aspectos microscópicos da natureza. O poeta e as crianças - o Homem, enfim - precisam da da natureza para criação da linguagem. A linguagem cria e consolida o Humanismo.
Veja as pequenas frutas do jenipapo, que me acompanham desde os tempos de minha avó; a pequena flor amarela, da serralha; e a pequena flor, ao sol, do boldo.

7 de agosto de 2009

B. Lopes

Vem em boa hora a palestra do amigo Luiz Carlos de Oliveira Cerqueira, na terça-feira, 11 de agosto de 2009, às 19h, na sede da Associação Nacional de Escritores, em Brasília, sobre a poesia de B. Lopes, este poeta mestiço-dândi (alcóolotra, epiléptico, escandaloso nas vestimentas exóticas), que contribuiu para a evolução da poesia brasileira para o Romantismo.
Um dos sonetos dele que alegrou a minha juventude pelo lado telúrico, por que não?, romântico na forma de ver e se integrar com a própria realidade:

Berço

Recordo: um largo verde e uma igrejinha,
um sino, um rio, um pontilhão e um carro
de três juntas bovinas, que ia e vinha,
rinchando alegre, carregando barro;

havia a escola que era azul e tinha
um mestre mau, de assustador pigarro…
(Meu Deus! que é isto? Que emoção a minha,
quando estas cousas tão singelas narro?)

Seu Alexandre, um bom velhinho rico,
que hospedara a Princesa; o tico-tico,
que me acordava de manhã, e a serra…

com seu nome de amor Boa Esperança,
eis tudo quanto guardo na lembrança
da minha pobre e pequenina terra!

2 de agosto de 2009

Maneiras de ver

Onde vou
vou filmando
com minhas maneiras de ver.
O urubu na praia.
O cachorro e o urubu
na praia de Boa Viagem
entre crianças
e preservativos.
Disputam a cabeça
cheia de serrilhas.
Seguir para mais distante
para fugir das ratazanas no quintal.
E as ratazanas passeiam
no caminho das crianças em viagem.
Melhor regressar.
O varal ao lado do Palácio da Justiça.
Aguardam nus, ao lado da equipagem,
as roupas secarem ao sol,
os técnicos da filmagem.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...