10 de setembro de 2006

Pequena lembrança de Fernandes Mendes Vianna

Se eu e Ronaldo Costa Fernandes soubéssemos que não mais teríamos oportunidade de voltar a encontrá-lo, não ficaríamos ali estáticos na Livraria Cultura, no sábado que antecedeu ao seu falecimento, fazendo promessas de marcar encontro com o amigo Fernando Mendes Vianna.

Antes, em 4 de setembro, ao ir à Feira do Livro de Brasília para o lançamento do livro Meninos, eu li, de Alan Viggiano, ele me abraçou com o afeto dos grandes poetas.

No dia seguinte, à noite, ele telefonou para a minha casa para expressar a satisfação de ter conhecido a poesia do meu livro Ruínas ao sol, que Tânia, carinhosamente, tinha lido para ele, já que nos últimos tempos padecia do agravamento da deficiência visual. Fez questão de dizer, no entanto, que o problema não o estava afetando, pois aproveitava para ter outras experiências com a vida. Falou uns vinte minutos. Foram os minutos mais elogiosos que a minha poesia já mereceu. E estes minutos mais se prolongaram, pois, em seguida, ligou para Ronaldo Costa Fernandes e continuou o enaltecimento ao nosso livro.

Fico com a frustração de ele nunca ter escrito uma resenha sobre algum livro meu. Quando lancei Caderno de desapontamentos — em um de nossos encontros, ele buscou em todos os bolsos do paletó uma resenha que teria preparado para esse livro. Citou essa resenha — talvez imaginária — em vários de nossos encontros. E agora lamento também nunca ter escrito nada sobre a sua poesia. Talvez meu inconsciente julgasse que eu nada pudesse acrescentar para a consagração de uma poesia já amiga e dileta de tantos críticos importantes, tais como Walmir Ayala, Moacyr Felix e José Guilherme Merquior.

Na noite de 10 de setembro, depois de um telefonema de João Carlos Taveira, a perda do amigo, a perda do poeta, a perda do animador dos encontros de escritores — seja na Associação Nacional de Escritores, nos lançamentos ou nas residências dos amigos — dói no meu coração. A literatura de Brasília perde um dos seus fundadores! E um dos seus animadores. A poetisa Cristina Bastos, no dia do sepultamento (11 de setembro) ainda lembrava que, “se a festa estivesse desanimada, era só chamar o Fernando que ela ficava boa”. E as novas gerações de escritores do Centro-Oeste perdem um incentivador, pois Fernando Mendes Viana sentia prazer em conhecer uma poesia nova e em conviver com os novos poetas.

Fernando Mendes Vianna, que foi acometido de um infarto após tomar o café da manhã e voltar para o seu escritório de poeta (foi encontrado às 10 horas, já sem vida, na poltrona em que habitualmente escrevia e fazia suas reflexões), começou a publicar em 1958, e seu último livro, A Rosa Anfractuosa (Brasília: Thesaurus) é de 2004. Sua poesia foi duas vezes premiada pelo Instituto Nacional do livro. E sei que permanece inédita grande parte de sua produção, sobretudo os poemas de maior densidade erótica. Em diversas ocasiões ele me disse que tinha dificuldade para selecionar os poemas que comporiam o novo livro. A sua poesia é clássica, fundada no rigor da métrica e da metáfora limpa, destes textos que mantêm viva a língua da tradição.

Será sempre lembrado pelas palestras repletas de digressões, pelas intervenções intermináveis nas palestras dos amigos e pelos recitais perfeitos, em que era presença obrigatória o poema “Canção do coração” —, e eles foram realizados em diversos lugares de Brasília. Hotel Nacional, bares, livrarias… Numa das últimas Terças Literárias promovidas pela Associação Nacional de Escritores, em que foi expositor, homenageou a poesia do amigo Anderson Braga Horta. Como faltou luz no dia, a palestra se realizou na sala de recepção da entidade, com os convidados em volta de Fernando Mendes Viana. O palco foi perfeito para a exposição entrecortada de informações, de que ele era mestre. A Tânia ficou à flor da pele, pois, em duas horas de conversa, o Fernando ainda não tinha entrado na poesia do Anderson. Mas as suas digressões nunca eram inúteis, se permeadas de história, filosofia, metapoética e experiência pessoal.

Agora eu lamento ter provocado apenas “um” encontro com ele em minha casa. Todos os meus familiares tinham viajado. Só nós dois ficamos na casa. Até de madrugada ele sustentou conversa útil, repassando as suas experiências com a poesia e com a cultura da Espanha, já que morou dois anos naquele país. Eu deveria ter amanhecido haurindo de sua experiência, de seu conhecimento e inteligência, pois, depois que deitei, pude notar que ele circulava pela casa com dificuldade para dormir. Certamente a poesia o mantivesse animado. Ou alguma ausência de mulher.

Era grande amigo de José Godoy Garcia — e nunca provoquei um encontro entre os dois poetas em minha casa. Talvez evitasse estar com os dois num mesmo encontro — pois não sobraria nenhum vácuo na conversa para eu me expressar. Eram donos de diálogo sábio, agitado e cordial. Agora — eu que já não tenho a companhia do Godoy há cinco anos — terei de passar as minhas noites em branco sem a oportunidade de novo encontro em minha casa com Fernando Mendes Viana, para que ele circule insone na madrugada, imantado pelos chamamentos da poesia.

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