25 de janeiro de 2007

O caçador de pipas


Neste início de ano, tentei ler O outono do patriarca, de Gabriel Garcia Marquez. E, ainda por cima, em espanhol. O livro é denso demais. Não tem um enredo específico, e com um complicador a mais: os parágrafos são intermináveis. Desisti no segundo capítulo. Não preciso mais ler este livro, pois sei de sua importância histórica, do seu significado de resistência contra o autoritarismo, e de experiência estilística em busca de um interminável xingamento a todo aquele que pensar em tiranizar um país. O outono do patriarca é um livro marcante — jamais me esquecerei desta verdade insofismável —, de domínio narrativo entre poucos. Mas vai ficar ali por enquanto, aguardando a minha leitura, que poderá não acontecer nunca. Como diz um dos mandamentos de Perac — o leitor tem o direito de não ler.


Para compreender o fenômeno de vendas, que é O caçador de pipas, do afegão Khaled Hosseini, enfiei-me na leitura deste livro. Preferia que esta nota fosse escrita pela Lídia ou pela Luana, ou qualquer outro jovem que já o tenha lido, como também a Aline. Todas estas garotas foram unânimes em me dizer que o livro é ótimo. Mas elas poderiam interpretar a visão delas para mim, dizer-me em que o romance nos cativa (ou nos humilha?).

É um livro quase jornalístico. Talvez até autobiográfico (não me preocupei em pesquisar esta questão). Inclusive com muitos defeitos de narração e de lacunas frágeis (basta ver as descrições chatas nos momentos em que os personagens perambulam por consultórios médicos, onde as descrições são óbvias). Prova de que o narrador sempre debilita a própria escritura quando passa a abordar outra cultura.

Mas há momentos de terna poesia e humanismo: “Sonho que o meu filho cresce e se torna uma pessoa de bem, uma pessoa livre e importante. Sonho que flores de lawla florescem novamente pelas ruas de Cabul, que a música de rubad volta a tocar nas casas de chá e as pipas voam outra vez pelo céu.” Poder-se-ia dizer que é piegas, mas não há como deixar de reconhecer que é um chamado para a reconstrução de um país, para a reconstrução das cidades e das famílias. O que poderíamos sonhar no Brasil? É para isso que serve a poesia — levar as pessoas a sonharem. A poesia não manda ninguém pegar em armas, a incendiar índios e a andar estupidamente bêbado ao volante e a se matar espatifado numa árvore, num gradil, num acidente estúpido!!! A poesia leva o jovem a sonhar com a beleza dentro do seu país, dentro da cidade, dentro de si mesmo. E a melhor beleza é o próprio humanismo.

Temos de admitir: o leitor se cansou do excesso de construção romanesca. Está atrás de um diferencial — a realidade. E aí esta o atrativo dos filmes e dos romances árabes. Habituamo-nos tanto com as nossas próprias desumanidades ocidentais, que achamos que só nos países árabes (quando a cultura deles começou a se espalhar por aqui) impera a miséria, a guerra, o desconforto social. E nem estamos preparados para a compreensão daquela cultura: de repente a violência não seja tão diferente daquela (ou desta) que nos ronda.

A narrativa de O caçador de pipas é de um road movie (não tanto na primeira parte, quando os personagens ainda estão na infância — e aí o romanesco flui de forma mais convincente). Quando o personagem está no EUA, a urdidura da escrita perde muito, tanto em poeticidade quanto em construção da narrativa. Estou lendo a parte em que Amir (creio que um personagem quase autobiográfico) retorna ao Afeganistão para reencontrar o seu passado. E não vai encontrar só um país demolido, mas um passado destruído. Vamos ver até onde ele consegue o reencontro e a reconstrução.

Portanto, não é um romance só sobre a demolição familiar. Mas da busca de identidade, da busca de um Afeganistão arrasado pelas diferenças étnicas, pela invasão russa, e pelo Talibã. E, acredito, é essa realidade dura que tem cativado milhões de leitores pelo mundo afora.
Eu, pelo menos, tendo sentido as tripas se revolverem.

E talvez, após a leitura do livro, voltaremos para nosso ócio idiota, sem nenhuma guerra particular, para nosso egocentrismo, e vamos achar que só lá fora impera o indivíduo desumano para com seu semelhante. Um livro só terá validade se servir para nos lembrar que temos de tirar o pé de dentro de nós mesmos, e colocá-lo na compreensão dos caminhos desumanos de nosso próprio país, de nossa própria cidade, de nossa própria rua, de nossa própria família. Ou para compreensão e revitalização de nossa linguagem, para interpretação do homem de um determinado tempo histórico. Já que queremos uma literatura realista, ela tem de, pelo menos, servir para isto — inserir-nos na nossa realidade.

O tema dO caçador de pipas, para mim, é a covardia. Não assumimos o nosso lado humano. E quando formos nos redimir, alguma coisa terá ficado perdida. Quando não nos movemos para impedir alguma desumanidade, sujamos eternamente nossa mão de sangue (ou de merda). Só você lendo o livro pra compreender.
Você concorda? Ou a literatura é uma baba de quiabo, que não precisa estar aí?

14 de janeiro de 2007


Surpreendo-me nesta manhã com a notícia da morte do saxofonista de jazz Michael Brecker, vencedor de 11 prêmios Grammy. Tinha apenas 57 anos, mas foi vencido pela leucemia, conforme dá conta o noticiário. Começou a tocar nos anos 60 no conjunto do pianista Horace Silver e depois com Billy Cobham, até criar, junto com outros músicos, em 79, o grupo Steps Ahead, que leva o nome de uma música de John Coltrane. Gravava regularmente, com opção por uma linha jazzística intermediária entre o pop e as modernas vertentes do jazz. Não é um inventor de novas vertentes, mas todo artista deixa um vácuo doloroso. Dos muitos discos, indico o Time is of the essence, da Verve, que conta com participações de Pat Metheny e Elvin Jones (o baterista chave do quarteto de John Coltrane). E gosto muito de Tales from the Hudson, pela GRP Records. Aqui está o top dos músicos de jazz: Pat Metheney, Dave Holland, Jack DeJohnette, Joey Calderazzo e McCoy Tyner, também do quarteto de John Coltrane. Comprei este disco num queima, na época em que foi lançado no Brasil, e me surprendi pela carga afetiva que os grupo traz. Até vou ouvi-lo hoje em homenagem ao músico que hoje, como está na capa, vai se afastando de nós para outras caminhadas.

13 de janeiro de 2007


Gosto de documentários sobre a natureza! Principalmente com boa fotografia. Os estudiosos da pós-modernidade já dizem que, atualmente, sabemos ver melhor a paisagem através do cinema. O cinema traz a imagem pronta, recortada numa beleza para o conforto fechado da vida moderna. No conforto, a paisagem não apresenta ameaça ao desbravador.
Fui ao cinema, com duas pequenas garotas, assistir O Planeta Branco, realizado Ragobert e Piantanida, ambos antigos colaboradores do explorador Jacques Cousteau. Eles "têm uma agenda que defendem: a preservação de um meio ambiente do qual dependem não apenas espécies animais, mas também o bem-estar do planeta como um todo".
Deixo para a pequena Camila, que foi comigo, a observação sobre a emoção de ver o filme. Passados os 86 minutos, ela reclamou: - Acabou? Devia ter mais. E na natureza nada acaba, aquela vida animal continua lá, com a sua brusca necessidade de sobrevivência, junto àquela beleza longe dos olhares do homem.
Alguns comentaristas dizem que o filme não traz novidades. Mas só de trazer imagens inéditas de renas, da foca-de-capuz, dos bois-almiscarados, da baleia corcunda...
Enquanto aguardo que a vida me traga alguma metáfora nada diluidora, vou postar aqui um dos sonetos de Rilke, o terceiro de Os Sonetos a Orfeu, na tradução de Karlos Rischbieter, da edição da Ed. Record. Encanta-me, neste soneto, os silêncios que Rilke intercala entre as palavras. Só com estes silêncios para mostrar a ausência/presença do sopro da divindade. Talvez daqui Clarice Lispector tenha tirado o título de seu livro Um Sopro de Vida. Se eu pudesse, alinharia aqui todas as Elegias do Duíno, onde Rilke me corta a garganta. Lê a terceira elegia toda a vez que sentires a garganta seca.
Aí o soneto terceiro a Orfeu, de Rilke.

Um Deus o pode. Como, porém, poderá
um homem segui-lo na lira delgada?
Seu acordo é discorde. Na encruzilhada
dos corações, templo para Apolo não há.

Cantar, como o ensinas, não é tormento,
nem desejo de uma conquista final.
Cantar é ser. Para o Deus, coisa banal.
Mas nós: quando somos? Em que momento

ele constela Terra e Estrelas em nosso ser?
Jovem, amar é tudo e nada, embora
a voz te rasgue a boca: aprende a esquecer

que cantaste. É apenas um momento.
Cantar em verdade é outro canto agora.
Um canto por nada. Um sopro em Deus. Um vento.

4 de janeiro de 2007

FÉRIASSSSSS


Há as chamadas do sol, com as chamas zen.
Há as pontes, o alecrim
que outros inalam, longe.
Há as fugas, as fortes batidas do coração.

Há as companhias. A Ellen. Há a Carol.
Há mares. E a Gismara.
E o Robson dentro da bruma do destino.

Terminei a leitura de "Vou cuspir no seu túmulo",
de Boris Vian.
Este pequeno romance policial completa
"O Estrangeiro", de Camus; e "A Família Pascual Duarte",
de Camilo José Cela.
É um romance sem perdão.
Confesso que ele me
assustou.
Mas eu não o censuraria
como fizeram os franceses.
Agora estou decidindo qual a próxima leitura.
Aguardemos.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...