24 de abril de 2014


redes de algas negras laminam o sono
sobre máscaras dançantes de órbitas lisas
em que estacas circulam paralisadas

cortes de arames externos nas omoplatas
há setores de expedição à distância
onde paliçadas se alinham na alvura   

deixam aberturas às cópias das mensagens

o aniversariante da noite içado
na dormência dos falhos corticoides
não se interliga às palhas das viagens

come a língua com sabor de salitre
e borralho e se interliga num cobertor
poroso de água e longas patas

o assinante das peles da dormência assadas

18 de abril de 2014

Recebi nesta semana vários livros que comprei por reembolso da editora Cosac Naif. Adoro as belas edições desta editora. Lamentável no entanto a tradução viciada de alguns livros. Em Oblomov, logo no primeiro parágrafo, aparece o horrível "cujo", que só serve para relatórios: é uma palavra de uso correto, mas em desuso. E o que está em desuso acaba soando fora de lugar.. Jamais Gontacharóv usuaria esta construção frasal. E, na linda edição de Contos de Lugares Distantes, do australiano Shaun Tan, aparece também na primeira frase uma construção completamente incompreensível. Eu não compreendo esta frase: jardim: "aquele que ninguém cortava a grama". Matou a minha vontade de ler livro. Eu não sei se é em que se é onde ou outra alternativa. As traduções a cada dia ficam menos literárias. Estou cansado do uso do verbo "nutrir" e do uso de "passante" para transeunte. Para desejo, amor, compreensão, comer, para tudo é nutrir.Dá enjoo.  E tantos outros vícios. Nunca fiz curso de tradução, mas traduzir é aproximar o texto dos usos da língua, e não querer inventar ou introduzir novos usos. 

La hora del luto = Gabriel Galcia Marquez

Poema de Salomão Sousa para a hora do luto por Gabriel Garcia Marquez

Silêncio em Aracataca..
Solidão em Macondo,
nas gengivas velhas
em Arapiraca, nos fundos
de cidades velhas
ainda que o moderno
seja o que se pede
que se faça.
O dia é de silêncio
e tudo se corrige com calma.
Quietas na sombra
de alguma algaroba,
longe dos curtumes,
neste dia as vacas
não pastam.
Até os pássaros
se recolheram
neste dia de vento parado
nas satélites
de Brasília e do México.
Só unos isolados putos
rodam autos decibéis
se no comprenden
la ciudadania
quanto mas
la hora del luto.

17 de abril de 2014

Roberval Pereyr

O livro "Mirantes", de Roberval Pereyr foi o vencedor do Prêmio Brasília de 2014. Não compareci à entrega do prêmio, pois faltou motivação aos autores de Brasília até mesmo para aplaudir os eventos da Segunda Bienal do Livro. Tudo feito à margem de Brasília como se fosse um evento nacional e não com dinheiro local, com necessidade e obrigação de refletir na localidade. No entanto, encomendei o livro e não posso deixar de aplaudir a poesia de Pereyr. Aparentemente, sobretudo pelos autores que saúdam Pereyr - Secchin, Ruy Espinheira Filho, Alexei Bueno - pode-se ter a impressão de uma poesia tradicional, sem grandes tentativas de novos caminhos. E é. Ligada à metafísica de Pessoa, ao andamento construtivo de Drummond, e com alguns laivos dos compositores do Nordeste. Até a utilização do soneto - mas como a poesia vai se cansando da invenção excessiva, há naturalmente retorno nietszchiano às antigas formas. Mas essa mistura em si já acaba resultado num trabalho de transparência individual, com ligação ao sentimento, não do mundo, mas da estranheza da supremacia do ego moderno. Destaco um verso maravilhoso, bem questionador do tempo presente, excelente como o caminho de Antonio Machado: "...mudo/conforme as feições da estrada". Gosto deste combate ao egocentrismo atual, que inscreve no homem a resistência à aceitação da diferença do outro. Quando eu reconheço a diferença do outro, em mim mesmo já tenho de me mudar e conciliar-me com o mundo. E, para terminar este imbróglio de admiração, deixo aqui um belo poema do livro de Roberval Pereyr. Vai o poema "Decisão" mesmo, que traz os versos anteriores:

Se me buscarem, não vou.
Se me ofertarem, não quero.

Se me disserem quem sou,
direi que não sou, e espero.

Direi que esperar é tudo;
e que o que espero é nada;

que quando viajo, mudo
conforme as feições da estrada.

E acabou minha estrada para continuar estas observações, pois foram escritas rumo ao trabalho. No ônibus.
Parabéns, Pereyr.


11 de abril de 2014

Tríptico do banal



Está tudo igual
que eu acabo
por fazer idêntico
ao homem de Neandertal

Se nascer juá
no meu curral
se no cós for o rasgo
na foz o raso
não deixará
de ser supuração normal

Tem gente com saudade
de praga no quintal
Tem gente tão nua
que não cabe fio dental
Dou meus lábios
para a palavra final

Para boa costura
sangro meu dedo
doo a quem não sangra
o meu dedal
ao poeta de tom soante
a rima medieva em al

O que fazer
que voz anal
para por ordem
no tríptico do banal

3 de abril de 2014

Viagem com a Júlia e o homem de Guaporé

O poeta perde a piedade
Não encontra a gratidão
nos respingos de chuva
que entram pela janela
que um passageiro
insiste em deixar aberta
Fecha o livro para não ver
que ele se desmontará úmido
Repugna-lhe o suco açucarado
que só faz aumentar a sede
E o homem de Guaporé
viaja com o antebraço
enfiado em suas costelas

O poeta desiste de articular
o poema sobre a memória
É memória da garotinha Júlia
que circulará amanhã
à procura de flores e achando lixo
O jovem que economizou
na passagem caminhando
sob a chuva
As pequenas flores mutantes
da buchinha
A memória do parente que aguarda
pela benevolência de alguém
que consiga a vaga no hospital
Melhor fora para o poeta
produzir pamonha sem ser tributado

Entre os ruídos
às vezes umas palavras:
viagem de dois dias
Cartão no hotel sobre a cama
Porto Velho/Guaporé
Registrar a perda na delegacia
Anúncio no rádio
e não encontro o irmão
E do irmão só sabe
que é empregado
Parece que retorna
de tentar falar com a presidente
Seguem poeta e homem de Guaporé
dentro do escuro a submergir
a a cidade úmida
/e dentro do apagão de humanidade
O homem de Guaporé
estende ao poeta o papel
com o endereço do hotel
Retira o peso do cotovelo
e não agradece e não se despede
O poeta sente a leveza nas costelas
e foi à revelia do suor que cedeu
a orientação de um endereço
/e de um pouco de calor
E à revelia o homem de Guaporé
cedeu ao poema esta memória




RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...