O poeta perde a piedade
Não encontra a gratidão
nos respingos de chuva
que entram pela janela
que um passageiro
insiste em deixar aberta
Fecha o livro para não ver
que ele se desmontará úmido
Repugna-lhe o suco açucarado
que só faz aumentar a sede
E o homem de Guaporé
viaja com o antebraço
enfiado em suas costelas
O poeta desiste de articular
o poema sobre a memória
É memória da garotinha Júlia
que circulará amanhã
à procura de flores e achando lixo
O jovem que economizou
na passagem caminhando
sob a chuva
As pequenas flores mutantes
da buchinha
A memória do parente que aguarda
pela benevolência de alguém
que consiga a vaga no hospital
Melhor fora para o poeta
produzir pamonha sem ser tributado
Entre os ruídos
às vezes umas palavras:
viagem de dois dias
Cartão no hotel sobre a cama
Porto Velho/Guaporé
Registrar a perda na delegacia
Anúncio no rádio
e não encontro o irmão
E do irmão só sabe
que é empregado
Parece que retorna
de tentar falar com a presidente
Seguem poeta e homem de Guaporé
dentro do escuro a submergir
a a cidade úmida
/e dentro do apagão de humanidade
O homem de Guaporé
estende ao poeta o papel
com o endereço do hotel
Retira o peso do cotovelo
e não agradece e não se despede
O poeta sente a leveza nas costelas
e foi à revelia do suor que cedeu
a orientação de um endereço
/e de um pouco de calor
E à revelia o homem de Guaporé
cedeu ao poema esta memória
A poesia é meu território, e a cada dia planto e colho grãos em seus campos. Com a poesia, eu fundo e confundo a realidade. (Linoliogravura do fundo: Beto Nascimento)
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