8 de dezembro de 2021

As biografias espalhadas pelo livro "Cascos e Caminhos"

Salomão Sousa,  poeta incrível, de linguagem rara, preciosa, sem facilidades, sem comodismos. Mais uma vez usufrui o prazer de ler uma obra desse autor tão apaixonado pela poesia, a ponto de desnudá-la com carinho, competência e altruísmo. Seu verbo, embora soe cru, áspero (aos menos avisados) é de uma simbologia e força que merece todos os nossos aplausos e reconhecimentos. E digo, sem pestanejar: é um dos poetas que mais gosto de ler no meu cotidiano. Em anotação de papel colocada no inicio do livro Cascos e caminhos, avulsa, Salomão já nos adverte (e isso constatamos na leitura de cada poema) que “Trata-se do meu livro mais pessoal, mais íntimo dos percursos de minha vida. Os poemas recuperam traços da memória e das observações instantâneas do que emergia à beira de minhas ocupações. O que me apodrece é o que me recupera, é o que salva a lembrança...” Penso que o poeta em evidência deve habitar bem próximo do meio ambiente, matas etc já que sempre em suas postagens refere-se aos pequenos insetos que adentram sua casa, como hospedeiros, já no fim da existência, assim como caminha fotografando tudo aquilo que é belo e pequeno na Mãe Natureza, o que passa muitas vezes desapercebido aos olhos humanos que não enxergam a essência das coisas. Ou seja, Salomão Sousa é uma espécie de Manoel de Barros nas searas de Goiás.

Encontro uma “ressaca de mundos” no poema "Biografia do natimorto", assim como curvo-me diante da constatação de misérias e morticínios em "Biografia do jirau em dois tempos", embevecida com versos desse nível: “...O inseto não é insone e para eclodir o parasita sabe quando./Sabe quando há água e quando há sangue./A criança é uma vitória contra o aborto...”(pg.18). E surto, no bom sentido, claro, com tão rica retórica: “...Um homem/não é um prego para estar quieto/fixo num tarugo, para deteriorar/na ferrugem...” ("Biografia do quarto seguida de algumas adjacências" -pg.20).  E, com sapiência, nos diz: “...Quem arrasta a estrada para o lodaçal/não inventa outros jeitos de sair do charco...”("Biografia da estrada" – pg. 27). E deslinda o corpo, essa geografia marítima que temos como invólucro: “Pertence ao corpo mover-se sob/nossos pensamentos, ordens que lhe atribuímos/sem consultar a fruição do sangue...”("Biografia do corpo" – pg. 30). Uma verdadeira obra prima, leitores, o poema "Biografia da bacia antes de ser floreira" (pg. 34), bem escrito, coordenado, inspirado e suado. Os poemas de Salomão Sousa trazem aconchego, passado, vida vivida e relembrada, remontando presenças, pretéritos. Salomão não é o viajante pleno, estrangeiro, mas canta sua aldeia colocando nela todo o universo. Isso é bonito, salutar. Gosto disso. Tudo que disse está,  por exemplo, em "Biografia da travessia do arco-íris" (pg.38), belíssimo, assim como na  singeleza objetiva de "Biografia do balcão", onde é sentimento: “...Quem limpa o balcão aprende o que é a janela,/o que são os seios a repousarem no peitoril...”(pg.39). Como não destacar a grandiosidade de um poema como A "Biografia de Jeron"i (pg.49), assim como a Biografia da avó índia: “...Ter uma avó índia/é ter um corpo ao qual assemelhar-se/e também mãos a encher uma despensa...”(pg. 53). Louvo a "Biografia da cidade visível" (pg.55), e descubro a impotência humana diante da grandeza da natureza, assim: “...A romãzeira enfia um galho ao solo/ e desse caule se renasce./ E não consigo esse reverdecer;/essa sucessão de frutos...”( pg.60). E a pepita de ouro em forma de verso: “...A flor não dispara o projétil.”("Biografia das parcelas" – pg. 82). Isso de ir contra a maré, de ser sublime, humanamente racional na racionalidade de ser humano: “...Quem incendeia pode estar contrariado/com nosso facho/nossa aceitação do pássaro...” ("Intervalo para o encaixe" – pg. 96).

Como o heterônimo Alberto Caeiro, de Fernando Pessoa, Salomão Sousa ama a natureza e todos os seus elementos, mas sabendo que ela é o que é e o que podemos ver dela, sem invenções ou romantismos demasiados. É irmão das plantas, dos insetos, mas no simbolismo deles, nas estruturas, veias, sangues, dejetos, existência, enfim. Nada quer mudar e nem idealizar. Muitíssimo válido. A arte da capa, de Carlos Alberto, tem uma velha ferradura no meio de uma espécie de lixo ou amontoados de coisas inúteis (úteis). A orelha tem assinatura de Alexandra Vieira de Almeida e Wil Prado. Uma boa fortuna crítica no final e selo da Gráfica Serafim. Reitero que Salomão Sousa é um dos grandes poetas que leio e releio. E a cada releitura novas descobertas. Nada engessado por aqui.


Sônia Elizabeth (poeta e prosadora)

20 de outubro de 2021

Fábio Santiago

O livro Versos Magros, de Fábio Santiago, alagoano que reside em Curitiba, está disponível na página da Kotter Editorial. Trata-se de uma editora que tem publicado bons poetas. Tem em catálogo também o livro Intramuros, pela Penalux.

Trata-se de um poeta que já palmilhou um bom pedaço do caminho da poesia. Como o título bem indica, Versos Magros, e o formato espacial da poesia, Fábio Santiago ajusta os textos em recortes que possibilitam a extinção do discurso, com uma retórica que não está preocupada em cativar, mas com a obrigação de não se desfilhar da filologia da história contemporânea e da paisagem por ele vivenciada. Há momento inclusive de aventura pós-concretismo. Mas a poesia que vem das pós-vanguardas, nesse choque com a elipse comunicativa das redes sociais, não dá para negar que novos rumos tenham de ser traçados para a poesia atual e, sobretudo, para a que virá. No entanto, Fábio Santiago consegue se safar desse universo enganoso da comunicação explícita das redes. Confirma o seu tempo, pois escolhe se diferenciar. Não excede na afetividade, experimenta neologismos, e não teme aproximar-se da realidade para limpá-la com “líquidos cor de urina”. É uma poesia sem gracejos, que se firma pela objetividade.



 

Kamilly Barros

O livro _emissões-, de Kamilly Barros está disponível na página da editora Absurtos.

Trata-se de uma poeta que merece ser lida com atenta observação, pois não se conforma com as facilidades expressivas da realidade. Para abordar as mesmas realidades à disposição de todos outros criadores contemporâneos, escava a estrutura da língua, desequilibrando-a, bem como as emissões da cultura atual vindas das redes e das ruas, aventurando outras rotas e notações. É uma poeta que não se conforma em dizer o que está posto. É uma poeta que busca ‘o fora de lugar da fala’, já que produzir é um compromisso de desvirtuação e não de reprodução.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...