1 de novembro de 2015

Ler poesia é nos sentirmos decentes

Ler um poeta é uma forma, senão a única, de nos sentirmos seres humanos decentes. Não é uma expressão minha, mas eu assinaria decentemente a observação de Joseph Brodsky sobre W. H. Auden. Em muitos lugares eu gostaria de estar. Gostaria de ter participado da leitura de poemas que os dois fizeram sozinhos num quarto de hotel. Mas aquele momento era só deles. Não teve gravação. São estes momentos únicos que fazem a vida ter justificativa. Temos de ter orgulho de todos os nossos atos, inclusive aqueles que fazemos reservadamente. Quando eu pratico um ato, inda que solitário, se não estiver revestido de ética, não há razão de eu ter direito à liberdade. Não posso corromper a família, o Estado, a mim mesmo. Não há dinheiro algum que valide atos corrosivos. Outro momento de que gostaria de ter participado: da prisão de Garcia Lorca. Ele não merecia ter morrido só, nas mãos de uma ditadura. Há uma tremenda alegria na literatura, mas uma enorme angústia nos seus autores. Não estive no quarto em que João Antônio apodreceu solitariamente, sem a presença de escritores e de familiares. Mas é bom morrer solitariamente. Só temos de viver de forma agregadora, respeitando as leis, inclusive de responsabilidade por nossos atos. Cada ato humano tem de contribuir para melhoria do mundo e não só com nossos interesses. Esquecemos de ir discutindo a ética. Se não nos lembramos disso todos os dias, admitimos que é possível ultrapassar o limite da moralidade.

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