2 de dezembro de 2015

João Filho

A POESIA INAUGURAL DE JOÃO FILHO
 
Assim que foi divulgado o resultado do Prêmio Biblioteca Nacional de 2015, vasculhei a web para buscar informações sobre o poeta João Filho, que levou o prêmio com o livro A dimensão necessária. Não eram muitas, sequer possui perfil no Facebook pelo menos não localizei. Então encomendei o livro diretamente na editora Mondrongo.
Logo No primeiro poema já vem algumas indicações da trajetória que João Filho deseja palmilhar. A cidade se redesenha nos sapatos velhos e gastos, mas com desejo de renovar o gesto limpo. E vai nesta afirmativa de reservar uma reverência à tradição:
 
“porém não lave os sapatos,
não porque registre tantos
itinerários, andanças,
mil labirintos urbanos, a
 
fuligem aí pousada,” 
 
Com o andamento do livro, observa-se um excesso de respeito a estes sapatos “um pouco velhos e gastos”, com sonetos referenciais a temas específicos, como locais de Salvador, a alguma amada, a terça rima para sagrar o riacho. Em outros poemas, a demonstração ao trágico, a referência ao dantesco. 
Estes exercícios do primeiro livro, para comprovar a capacidade de execução das formas tradicionais, se fora de época ou retomada de épocas, servem para a formação do poeta, pois este é o livro inaugural de uma carreira que nasce consagrada por um prêmio luminoso. Mas não é só o prêmio que o consagra, também composições enxutas, como o poema “Sombra de nuvem”, onde o poeta exercita sua capacidade de captar um gesto, compará-lo, e conseguir sem erro um resultado. Em “Luz primeira” é onde João Filho melhor se firma como poeta de seu tempo, pronto para libertar-se e iluminar-se com formas mais soltas. Espero que seus próximos trabalhos palmilhem esta liberdade de forma e expressão.
Detenho-me num poema, onde uma falsa forma velha  que é o que os contemporâneos buscam  é usada por João Filho para questionar este mundo velho e derrotado. Aí ele revitaliza o trágico e o metafísico. Vejam a primeira estrofe do poema “Considerações sobre a derrota”:
 
“Manhãs inaugurais de fuligem e névoa.
Já falta menos do que faltava.
Reduzida a ruínas a cidade acorda;
o que pulsátil vigorará
no centro danificado do dia? Chove.
Nesta hora exausta recolha a lança,
estreite a chama, reduzidíssima,
profundamente   aí tua casa.
Soubesse Ulisses dessa exuberância fóssil
amaria a cidade calcinada? Chove:”
 
E o poema segue por mais três estrofes, com repetições do abandono e do verso “Já falta menos do que faltava”.  É um poema que transcorre na perfeição. Tirando algum excesso de advérbios, alguma notação temporal (quarta-feira), João Filho é um poeta que inaugurou bem sua cidade

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