13 de outubro de 2019

Crônica com flor para uma jovem leitora

Este bilhete é escrito para uma estudante que não encontrou a biblioteca de sua escola aberta na semana que antecedeu o dia das crianças. Durante todos os dias da semana ela encontrou a porta da biblioteca fechada. Procurou a direção da escola por várias vezes. A direção não pode atendê-la, pois obras estavam sendo realizadas na sala onde funciona a biblioteca.

A garota disse que pediria à mãe para levá-la à escola em outro horário, pois reside em outro bairro. Ela não queria se entediar no feriado e a leitura seria uma ocupação. É o que ela disse a um professor. Certamente a mãe não pode ir à escola com ela, pois ela não compareceu no horário combinado com o professor.

Eu gostaria de saber como ela ocupou o fim de semana. Se ela conseguiu algum livro. Se ela tem computador para dialogar com amigos, ver vídeos ou até mesmo ler livros. Se a sua casa tem uma estante com alguns livros. Se o seu bairro tem uma biblioteca pública.

Eu me lembro que não tinha estante em minha casa. Catei no lixo um caixote de ripas de madeira, de carregar frutas e legumes na feira, e preguei umas pernas de pau nele. Aquele caixote foi a minha primeira estante, onde guardei os primeiros livros e revistas que consegui, bem como recortes de jornais que gosto de colecionar até hoje. Alguns livros eu coletei no lixo. Esses livros, revistas e recortes foram os únicos bens que eu trouxe para Brasília, onde consegui outro caixote para remontar minha estante.

Penso na grande desgraça que é a falta de material de cultura nas casas brasileiras. Bem como a falta de orientação para que os jovens consigam preencher esse vazio. Tenho até a impressão que é cômodo e útil termos jovens à margem da formação e da sabedoria. Pessoas que nada entendem, que ficam sem formação, podem ser manipuladas para que o sistema permaneça o mesmo, com uma escravização eterna.

Estou separando alguns livros para esta pequena jovem. Enviarei para que seja entregue a ela em sua escola. Enviarei para ela também este bilhete.


Digo a ela para continuar batendo nas portas para que não só a biblioteca seja aberta. As portas não se abrem se não insistimos, às vezes precisamos esmurrá-las, abri-las a machadadas, ou com conhecimento. Por isso, leia sempre, duvide sempre, não dê apoio incondicional a qualquer ideia, exija e vá atrás. Para isso, não dispense nunca de ser feliz e alegre e de amar as pessoas. De tratá-las com cortesia. Até quando duvidamos das pessoas, será mais fácil tê-las ao nosso lado se as tratamos com cortesia. Não odiar nunca. O ódio gera violência, elimina a razão e o diálogo.

Só por você querer ocupar seu tempo com a leitura eu já sou seu fã. Já posso imaginar que o seu destino terá muitas estradas, muitas portas abertas, muitas possibilidades. Participe sempre com suas ideias. Assim você torna a sua vida muito mais rica, ajuda a sua família, a sua escola, a sua comunidade.

Assim você me comoveu e faz acreditar que sempre há uma pessoa maravilhosa ao nosso lado, em outro bairro, que está trabalhando por si mesma e pelas demais. Não curta o tédio, dê sempre um jeito de ler um livro, de fazer bem suas lições, de assistir os jornais e programas de debate na televisão. Besta é o que não usa o tempo a seu favor. Se não nascemos sabendo, temos de escrever nas páginas em branco de nosso cérebro. Escrever nas páginas em branco do cérebro o que será útil para formação de nossa individualidade. Indivíduo quer dizer aquilo que é único, que não é igual a outro. Melhor ser um indivíduo construído com sabedoria. Não resta dúvida. Você não acha?

Repito: fiquei emocionado em saber de sua história.

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