13 de outubro de 2019

Coringa

Vivemos um momento em que negamos a compreender o que somos, o que negamos, o que produzimos de fobias sociais. Todos que assistem ao filme Coringa - pelo menos aqueles que ouvi se manifestarem sobre o filme - preferem enxergar só o explícito: a deterioração do indivíduo pela realidade excludente de relações. Em tempos de multidões, de isolamento, redução de diálogo, a exclusão não é mais só econômica, mas também de afeto. E não é possível não enxergar isso no filme, pois ela é o marco mais explícito. Nesta semana, com o caso do garoto fotógrafo de Jundiaí, que foi exposto na rede social por estar fotografando em seu bairro por ter sido considerado um suspeito, é um caso extremo sobre essa situação. O homem passou a olhar para o outro com suspeição. Uma suspeição limite, que leva à intolerância, à agressão, à denúncia vazia. Coringa não é só o que foi construído e acuado com a construção de uma vida sem afeto, mas também e sobretudo pela falta de redes urbanas para a sociedade se incluir e se ver. Aqueles que se veem juntos, constroem juntos. Àqueles que são acusados, acuados, inculpados de se porem à margem, resta-lhes a rebelião. Todo homem é revolucionário na carência. Nunca tinha visto um filme tão prenunciador quanto Coringa. Ele merece leitura pelo que é, inclusive para definição de políticas mundiais de alteração das normas de formação afetiva do indivíduo. Spielberg também tratou do assunto em série que começa brevemente na Discovery: Por que odiamos? A visão deverá ser ainda mais dura. Quando não enxergamos ou desejamos não enxergar, estamos odiando, mas, em contrapartida, estamos gerando ódio. Se não houver uma busca de compreensão da necessidade de conciliação de afeto, ainda vai morrer muita gente.

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