24 de fevereiro de 2009

Antonio Machado

Total apatia literária no transcorrer deste carnaval. Para não perder o pique,
ou o samba, no último ressoar do tambor, deixo aqui a tradução abaixo (sempre traduziram erroneamente "estelas" por "sulcos", quando são "marcas de alguém que pisa" para fazer contrapartida com o primeiro verso, pois "huellas" também não são "passos", mas os "rastros". Os "passos", se Antonio Machado tivesse ampliado o poema ou composto outro, equivaleriam à "caminhada", já que o caminho são os "rastros" no chão, na terra, sei lá. Os "passos" são o ato de caminhar, e os "rastros", de marcar a terra, isto é, abrir caminho):


Antonio Machado
Provérbios e cantares XXIX, de Campos de Castilla

Caminhante, são teus rastros
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
o caminho se faz ao andar.
Ao andar se faz o caminho,
e ao voltar o olhar para trás
vê-se a trilha que nunca
mais há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho
só marcas dos pés no mar.

18 de fevereiro de 2009

Látego

O escritor goiano Brasigóis Felicio publicou a crônica “Não terminar a carta” no jornal Vermelho, de Goiânia , e anuncia que a mesma será republicada em O Popular no próximo domingo. A crônica complementa um texto-crônica de nosso livro Momento crítico.

Terminei de ler o livro “El sueño de los héroes”, do argentino Adolfo Bioy Casares. Exemplo de narrativa matemática, onde todos os diálogos se encaixam nos episódios centrais. O livro ainda não tem tradução brasileira. Só para relembrar uma postagem anterior sobre a violência contra cavalo que postei aqui no blog, aqui neste romance ela se repete:

Cada puchão das rédeas era mais brutal que o anterior. (...) Os puchões tinham machucado a boca do animal. Rasgadas pelo freio, as comissuras da boca sangravam. Um abismo de calma incômoda parecia refletir-se na tristeza dos olhos. (...) Os olhos do cavalo pareciam desorbitar-se num frenesi de pavor. Valerga voltou a levantar o látego (...)”

Não vou traduzir as duas páginas, senão nenhum editor e nenhum leitor vai se interessar na edição do livro no País.

16 de fevereiro de 2009

Participamos da enquete que o poeta Carlos Willian fez para a revista Bula, digital a partir de Goiânia, para identificar a lista dos dez livros preferenciais que alguns autores já leram. O resultado pode ser conferido pelo resultado geral e pelo preferência de cada autor no seguinte LINK (inclusive os dez livros que listei, e também Gilberto Mendonça Teles).

14 de fevereiro de 2009

SAYAT NOVA

Belo o filme sobre o poeta armênio Sayat Nova (A cor da romã, do russo Sergei Paradjanov), que viveu entre 1712/95! Cansou-se da vida palaciana e, depois da morte da mulher, retira-se para o monastério de Haghpat, onde é aceito como monge. Quando os persas atacam o monastério, pedem a ele para renegar Cristo, mas é decapitado ao apresentar resposta negativa. Legou muitos cantos em armênio, georgiano e turco. Charles Aznavour gravou uma de suas canções. Consegui apenas alguns versos esparsos para deixar aqui, retirados de um blog argentino (os versos são de suas várias canções, odes, sei lá). Há livros dele em francês.

Não padecerei neste mundo,
pois para mim és vida.
És uma taça de ouro
cheia da água da imortalidade.
Antes, indica-me meu delito,
em seguida, mata-me.
Para mim tu és Sultan e Khan.
Tens o talhe de um cipreste, de um plátano.
A razão fugiu de minha cabeça,
és uma vide num novo jardim.
Um hipogrifo saído do mar de fogo.
És a flor vermelha e o branco musguet
dos vales para mim
Sou um pássaro num país estrangeiro,
e tu, uma gaiola dourada.

13 de fevereiro de 2009

William Faulkner

Por vários anos, em repetidas vezes, refutei a leitura de O som e a fúria, de William Faulkner. Temia tocar neste autor americano em meus encontros com o amigo Euler Belém, que é admirador incondicional desse novelista, e demonstrar meu analfabetismo faulkneriano. Sempre que iniciava a leitura do romance ou do conto Cavalos malhados — que está no volume da Civilização Brasileira, que traz três novelas, entre elas O urso —, eu me atrapalhava com a forma de o autor já entrar no meio da história como se o leitor já tenha conhecimento antecipado do que vem acontecendo com o enredo. Ele já começa no fim do enredo, já que o enredo para ele não é o percurso da narrativa, mas algo que dá intensidade ao homem de uma época. Além de ter uma inteligência hábil para enriquecer a linguagem. A própria novela O urso, logo de início, traz um intrincado de difícil penetrabilidade (vou ter a paciência de datilografar):

“Havia um homem e um cachorro também, nessa ocasião.”

Impecável como abertura. E é como eu disse: a narrativa não se inicia aqui, mas “nessa ocasião”. Nenhuma narrativa, aliás, tem o primeiro dia da criação, só mesmo o Gênese, que, no entanto, não tem o The end, e as obras de Faulkner também não se concluem.

Mas vejamos a conclusão do primeiro parágrafo de O urso:

“Havia um homem e um cachorro também, nessa ocasião. Duas feras, contando Old Bem, o urso, e dois homens, contando Boon Hogganbeck, no qual corria um pouco do mesmo sangue que corria em Sam Fathers, muito embora Boon pertencesse ao lado plebeu, e apenas Sam, Old Bem e o cachorro Lion fossem idôneos e incorruptíveis.”

E o primeiro homem? Não é nomeado no primeiro parágrafo, apesar de aparecerem os nomes do urso e do cachorro. My God! Faulkner é um jogo de xadrez.

Mas voltemos a O som e a fúria, que terminei a leitura neste momento. É de uma assustadora violência, principalmente se levarmos em consideração que os personagens atingidos são crianças, um louco e, claro, a mãe. Nem mesmo a cena do cavalo em o Crime e castigo, de Dostoiévski, ou capítulo sobre o cavalo, no Germinal, de Zola. Ainda fico imaginando, se depois de descer da charrete (o veículo tem outro nome no romance), Jason, o personagem, terá encontrado paz ou continua violentando psicologicamente os demais. Duvido! Deve estar aqui na minha vizinhança ou dentro da casa de algum... deixemos para quem o conheça. Ai! ele vai ficar me atazanando por séculos. Temo que ele bata à minha porta.

Mas o tempo, a forma de narrar sempre no tempo presente e no fluxo de consciência, torna tudo muito nebuloso em Faulkner. Também não interessa: o autor quer nos tornar/nos deixar/nos fazer cúmplices da realidade. Não! realmente não é um romance para qualquer um: exige paciência, estômago e coragem para admitir que não se compreendeu tudo. Ele data os quatro capítulos: apesar de Faulkner datá-los, o último acontece na mesma semana do primeiro capítulos, mas alguns personagens desaparecem de um dia para o outro. Aí que é dominar a narrativa: o autor tem de usar num capítulo os personagens, a intensidade do real que lhe cabe naquele momento. E Faulkner não trapaceia quanto a isso: domina.

A realidade retratada em O som e a fúria é aquela que antecede a bolha de 1929, portanto tememos o que acontece neste momento no mundo: uma violência sutil dentro dos lares, pois o incômodo da derrocada financeira leva o homem a se acotovelar com o outro. Espero que as crianças não sejam as mais atingidas pelo fluxo de consciência dos adultos.

Mas isso já se alonga demais para um blog. Vou encarar outros livros de Faulkner, principalmente Luz de Agosto e Absalão! Absalão! Talvez amanhã ou daqui a alguns anos. Não sei. E, claro, tenho de dar um jeito de encarar O urso, passar pela matemática de suas frases. Ou essa matemática se encontra apenas no primeiro parágrafo (ele não usa os acentos de interrogação em O som e a fúria). Mas é esta matemática que torna um livro desafiador! Que venha Faulkner com seu O urso!.

Minha saudação à bela tradução do poeta Paulo Henriques Britto para a Companhia das Letras. Só espero que os tradutores brasileiros não usem mais a palavra "corrugado", que vem do espanhol e soa ridículo em português/brasileiro, pois para nós é "enrugado" mesmo.

Como voltei aqui para corrigir duas palavras depois de postar o texto, me deu vontade de incluir uma frase cheia de sarcasmo usada por uma personagem mais que secundária, que está sem trocar de roupa depois de uma semana de trabalho e ainda irá sem se lavar à igreja. Indagada o que pode acontecer se ela tomar chuva, ela responde: "Ainda não aprendi a parar a chuva." O goiano é mestre nestas tiradas, inclusive o amigo Euler Belém.

11 de fevereiro de 2009





















Deixamos aqui um dos slides do curso de “Ecologia Interior”, de Édisa Lopes Brito, em que foram usados três versos de um poema de nossa autoria. O curso tem apoio da Associação Humanista Crescer.

9 de fevereiro de 2009

Romance de Ronaldo Costa Fernandes

Foto: Robson Corrêa de Araújo

Consultei a internet e constatei que a divulgação do resultado do Concurso Nacional de Literatura Prêmio Cidade de Belo Horizonte, edição de 2008, mereceu raríssimas notas em jornais e mesmo em blogs. Foram-se os tempos em que os jornais entrevistavam os vencedores! Mas eu não poderia deixar de me regozijar de ter um amigo entre os premiados. Torço para que uma editora se ofereça para editar o seu romance. Portanto, saúdo Ronaldo Costa Fernandes pela premiação na categoria romance com o inédito “O vigia”. Caso os jornais ou editoras não tenham o contato dele para entrevistas e contrato, podem me procurar. Destaque, ainda, para a categoria poesia para o livro “A outra noite”, da mineira Ana Martins Marques”; e de contos para “Contos do Norte”, de Jádson Barros Neves (Guaraí-TO).

OS HERALDOS NEGROS - de Cesar Vallejo

Há golpes na vida, tão fortes... E eu não sei!
Golpes como do ódio de Deus; como se diante deles,
o sofrimento em ressaca
se empoçasse na alma... E eu não sei!

São poucos, mas são... Abrem sanjas escuras
no rosto mais fero e no lombo mais forte.
Talvez sejam os potros de bárbaros átilas;
os heraldos negros que nos manda a Morte.

São as quedas fundas dos Cristos da alma,
de alguma fé adorável que o destino blasfema.
Esses golpes sangrentos são as crepitações
do pão pronto na porta do forno e queima.

E o homem... Pobre... pobre! Vira os olhos, como
na hora em que a mão nos bate nos ombros e nos chama;
volta os olhos loucos, e tudo que foi vivido
se empossa no olhar, como culpa cheia de lama.

Há golpes na vida, tão fortes... E eu não sei!



Tradução de Salomão Sousa

POEMAS DOS DONS - Jorge Luis Borges

Com a preocupação de ir selecionando material para montar uma grandes antologia de exponenciais poemas da humanidade, traduzi o "Poema dos dons", de Jorge Luis Borges. Gostaria muito que as pessoas julgasssem a tradução e mesmo dessem sugestões visando aperfeiçoá-la.


Ninguém derrame a lágrima ou não acoite
esta declaração da sábia mestria
de Deus, que com magnífica ironia,
de uma só vez me deu os livros e a noite.

Deu posse a esta cidade de livros
a olhos deixados sem luz, que só podem,
nas bibliotecas dos sonhos, ler crivos
de insensatos parágrafos que cedem

as poucas alvoradas. Em vão o dia
prodigaliza livros infinitos,
árduos como os árduos manuscritos
que pereceram junto a Alexandria.

De fome e de sede (na história grega)
falece um rei entre fontes e jardins;
me fatiga e deixa sem rumo os confins
desta alta e funda biblioteca cega.

Enciclopédias, atlas, o Oriente
e o Ocidente, séculos, dinastias
e símbolos, cosmos e cosmogonias
brindam os muros, mas inutilmente.

Lento em minha sombra, a penumbra seca
exploro com o báculo indeciso,
eu, que imaginava ser o Paraíso
certa espécie de eterna biblioteca.

Algo, que rege estas coisas, alfombra
da palavra azar a deixar caladas
relíquias para outro em enevoadas
tardes de muitos livros e de sombra.

Ao circular errante nas galerias
às vezes sinto com horror sagrado
que sou o outro, o morto, que teria dado
passos iguais sempre nos mesmos dias.

Quem insiste em escrever este poema
a partir de uma sombra e de um eu plural?
Que importa a palavra que me dá aval
se sempre foi pálido e uno o anátema?

Groussac ou Borges, vejo sem tormento
o mundo que se deforma e se apaga
entre uma indiviza cinza vaga
que se parece ao sonho e ao esquecimento.

4 de fevereiro de 2009

Brasigóis Felício

Carinhosa a resenha de Brasigóis Felício sobre o nosso livro Momento Crítico, publicado na revista Bula, editado na ambiência cibernética a partir de Goiânia. Em outro momento, Brasigóis, certamente os meus artigos estarão mais focados na literatura goiana, tão plena de grandes poetas (lembremos a sua poesia, a de Yêda Schmaltz, do Aidenor Aires, do Delermando Vieira, do Valdivino Braz, dos novos Marcos Caiado e Edmar Guimaraens. Também me surpreendeu a poesia de Carlos Willians.). A próxima resenha que quero fazer é do livro Caderno, de Edmar Guimaraens, mas queria fazer um contato com ele antes — mas ele é muito na moita. Mas ainda “arranco ele da moita”, para usar uma expressão bem goiana. Sou amigo destes poetas e desta poesia. E certamente José Godoy Garcia, Afonso Félix de Souza, Gilberto Mendonça Teles e Cora Coralina. Obrigado pela resenha “O perfume da memória e o ocaso da crítica”.

Aproveito para agradecer a resenha de Manoel Hygino no jornal Hoje em Dia, de BH, também sobre o Momento Crítico.


As duas resenhas estão postadas no meu blog salomaosousa.

3 de fevereiro de 2009

A jornalista Marcela Heitor de Andrade, em sua monografia de graduação na UNB, através de entrevistas de 21 escritores de Brasília, estuda a possibilidade de escritores exercerem a profissão de Jornalista. Ela cita aspectos apresentados em nossa introdução à antologia Deste Planalto Central ― poetas de Brasília.

RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...