27 de julho de 2008





Quebramos o cronômetro da Sherle.
Areia, sombras e sombras e sargaços
— perdidos nalguma corrente,
éramos aves desgarradas
frente às falésias.

Quebramos a ansiedade ao ver
os marcos antigos dos descobridores.
Ouvidores do rei
e os despachos das arcas do tesouro.
Restos de uma réplica de nau
que só poderia estar sem porto.

Quebramos o medo dos monstros de lama
e das criaturas más inventadas ao Norte.
Ex-votos com mãos estendidas,
dedos longos, cabelos espremidos
no asfalto, e o mar ainda
entre as estacas.

Quebramos a rigidez das faces.
Outra cor ao corpo, rotas
de desovar. Pó de ostra
nas garrafas. Outra onda
vem — junto às crianças se desdobra,
quase sem cor —, se é puro o sol,
se é o despudorado sal.
No mangue movemos os pés
de nosso animal.

Quebramos o tormento
de repetir a mecânica de andar.
Ir é outro prazer. Ouvir
outras palavras, entre os dedos
areias, cordões coloridos, quase apanhar
as finas barbas dos tubarões e das enguias.
Narinas moles respiram água.

Quebramos — e acabam as avenidas
e as orlas. Arrastam-nos as correntes
de volta às Antártidas.

@ Salomão Sousa

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