27 de maio de 2019

Mote para tempos atuais

O debate leva o indivíduo a compreender até aqueles posicionamentos irracionais que julgava irremovíveis de si mesmo. Por isso, as tentativas de negar o acesso ao conhecimento – o poder (econômico e político) sabe que, sem ele, oferecemos concordância ao que ele deseja. Sem argumentação, que gera narrativas mitológicas e de compreensão das camadas da realidade, aceitamos a proposta de ficar sem o filosófico, o antropológico, o histórico. No consumo (até a literatura e a política integram os produtos do marketing), a humanidade vai se trancafiando no ambiente depressivo. A juventude, quando descobre o processo, se filia ao terrorismo e às milícias, pois é o que lhes resta para busca de expressão corporal, de aventura, dor e surpresa. Enfim, a experiência fora do virtual.

Ser livre é poder realizar junto, mas estamos abrindo mão dessa liberdade, passando a ser vítimas, pois entregamos ao poder, sem discussão, a capacidade de decidir nossos destinos e de nossos direitos. Somos democratas quando a nossa argumentação compreende, questiona, acrescenta e participa, quando permitimos a livre criatividade e a livre informação. Só somos livres quando não somos otimizados para a aceitação da proposta, quando participamos da construção do projeto e dele usufruímos; quando somos elementos da comunidade e nos reconhecemos cidadãos.

Há urgência de ampliação dos espaços de argumentação para inclusão do indivíduo à realidade, com seus cheiros, texturas, sabores, nascimentos e apodrecimentos, para libertação do depressivo do ato de viver isolado. A literatura precisa assumir a ação profanadora, narrativa, capaz de compreender a realidade, fora das repetições fáceis das mensagens cifradas. O poeta não pode se propor a ser o sujeito da sujeição, mas ser o da criação do inesperado. Só o inesperado, que o conhecimento (aí a poesia) cria, livra o homem de ser simples dado do big-data. Só com cultura e educação o indivíduo deixa de ser incluído no algoritmo, onde somos classificados como consumidores de produtos, sejam eles a política, a geladeira ou a máscara.

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