18 de fevereiro de 2024

Zona de interesse

        Assisti ao filme Zona de interesse, que está indicado a cinco Oscar, inclusive à estatueta de melhor filme. Nunca o cinema fez um filme que acertasse bem no olho dos crimes nazistas, da desfaçatez fascista, da vergonhosa extrema direita. O filme foi baseado em livro homônimo de Martin Amis. 
        Os fascistas pensam só entre si, pensam só nos benefícios que possam retirar do sistema. Deviam ter aulas de campos de concentração e, em seguida, serem levados para assistir ao filme Zona de interesse. (Sabem o que é um campo de concentração? Saberiam interpretar a cena de um filme, a metáfora de um poema; saberiam enfiar o pé na lama para atravessar uma rua? Será que algum deles vomitaria?) 
Antes de serem levados ao filme, sugiro que sejam aprisionados por alguns momentos dentro de um forno de cremação de um campo de concentração para sentirem a importância de ter corpo e liberdade para preservá-lo, a importância de transitar com linguagem e direitos e de construção de espaços onde possam exibir-se com reverência, espaços, enfim, onde possam abraçar e definir acordos de convivência com o outro.
        Proponho, ainda, que os jovens passem por abstinência do uso de seus celulares e de suas tocas de formação de trogloditas e também sejam levados ao cinema para um pouco de alteridade com o filme. É sempre bom que os jovens banhem no rio das cinzas dos mortos para saber se é realmente o que desejam para o seu país.
Os trogloditas saem de suas tocas só para gritar e para agressão e depredação, pois não alcançam linguagem para trocas de referências culturais e de consciência para defesa dos direitos individuais, para compreensão da importância de usufluir de espaços e de ser livre. Ahrarralapa. Onde não há comunicação não há civilidade. Zona de interesse é um filme para nos lembrar que a civilidade pode ser perdida, se não a praticamos todos os dias. Quem se trancafia não consegue apreender divergências para criar consciência sobre a existência das mútiplas visões de vida e de práticas sociais.
        Para que os fascistas e os jovens assistam ao filme, esclarecer para eles que o ruído da trilha sonora é a chegada de mais trens cheios de pessoas para serem extirpadas na câmera de gás e queimadas nos fornos. Poderão compreender que, do jardim, enquanto se diverte, a família do dirigente do campo de concentração se esconde atrás do muro para não se deparar com as chaminés que exalam a fumaça e o cheiro das pessoas queimadas. Ao chegar a ordem de transferência para outro campo de concentração, a familia se nega a aceitá-la. Não quer se desligar do esquema de apossamento do espólio daqueles que vão à câmara de gás. 
Nos fundos da casa e do campo de concentração corre um belo rio em meio a uma paisagem brilhante. A família fascista se diverte nas águas cheias de cinzas e de ossos descartados das pessoas queimadas nos fornos do campo de concentração. Quando os pais dão banho nas crianças após divertirem-se no rio, a banheira fica coalhada de manchas de cinzas.
Os fascistas se reúnem para estudar técnicas de aumentar a produção de mortos. Quando mais pessoas mortas, maior o espólio. Quanto mais índios dizimados, mais áreas a serem ocupadas, mais pepitas de ouro a serem embolsadas. Quanto mais dízimo recebido, maior a concentração na avenida Paulista. É confortável lucrar à custa  de quem tem de deixar de comprar o pão para os filho, é lucrativo ter alguém para levar ao forno ou para pagar o dízimo. Não adianta construir a enorme estufa para produzir flores para disfarçar o cheiro dos mortos. 
O criminoso fascista acende a câmara de gás e vai para casa colocar o filho no colo, escovar os dentes com o creme dental que surrupiou do adversário que enfiou no forno. Experimenta o casaco de pele roubado enquanto sente o cheiro de carne queimada que sai da chaminé da câmara de cremar milhões de pessoas que chegam a todo momento em trens abarrotados e que passarão pelas câmaras de gás e, depois, incineradas. Esconde as pepitas no cofre e evita assistir ao noticiário em que aparecem os pequenos indigenas desidratados pela fome e pelo mercúrio das águas contaminadas.
Não há poesia ou flor que consiga enfeitar um crime. A poesia acentua o cheiro da carne queimada a evolar das chaminés. 

O olhar indiferente do alto da sacada 
não extirpa a praga a germinar na calçada,
nem afasta a mão que esparge a água de lhe dar vigor.




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