7 de novembro de 2006

A AMIZADE A AMIZADE A AMIZADE AMIZADE

Com o título e "Lagartas", talvez a propósito das lagartas que estão postadas aqui no blog, acabo de receber um e-mail de um poeta. Até desafio outras pessoas a me mandarem fotos de lagartas para serem postadas aqui. Mas que tenham sido fotografadas pelo remetente.

Vez por outra acredito realmente que sou poeta, sermos lidos, num país tão pouco lido, por tempos penso que é só a nossa teimosia mesmo, destas querelas de caboclo domesticado da cidade.
Edson Bueno de Camargo
Mauá - SP

Nunca me preocupei em ser lido, no instante em que escrevo. É um ato tão solitário, que não podemos imaginar nada no instante de escrever, mas em achar em nós mesmos algo que nem imaginávamos estar ali. Algo que outro vai ver e, por ter sido escrito por um humano, pensará que poderia ser amigo daquele ser humano que escrevia. Não terei sido um poeta se alguém não desejar me conhecer enqaunto estiver lendo. Eu queria ser amigo de todos aqueles que escreveram algo cheio de vida. É nisso que penso quando leio. Ser amigo de Rilke, acompanhá-lo na loucura. Ser amigo de Lorca enquanto ele escreveu "Romance sonâmbulo", um dos mais belos poemas. Mas quantos outros poemas belos escritos por poetas que seriam belos amigos!
A lagarta, mesmo, não pensa em ser lagarta. Talvez pense em se defender enquanto lagarta. Basta ver as muitas antenas venenosas que a protege na beleza. Acredito que o homem não se protege tanto. Tem de criar as suas antenas. A amizade, a ampliação da escolaridade, o aprofundamento da textura da própria poesia. Nosso país crescerá com isso. Quem tem inimigos vive alerta, sem descanso, no medo.

Mas talvez não fosse nada disso que eu quisese escrever, Edson. Mas lembrar dois textos sobre a amizade.
O primeiro, eu não vou datilografar. É do livro "Érica e seus irmãos", de Elio Vittorini. Aliás, acabo de achar o trecho aqui na internet. É um romance pequeno, mas assustador. Veja o trecho:

"Sonhava sobretudo uva, uma uva de doce cor, amarelo embaciado pelo frio, e não uva de comer, mas de morar. Tratava-se de bosques dourados, com pássaros invisíveis que cantavam, e com globos de polpa onde as pessoas entravam e ficavam felizes. Ela estava sozinha num globo, mas sabia que a todos acontecia a mesma coisa e sentia uma melodiosa certeza de companhia. Esta era, aliás, a felicidade: a companhia. "

Assusta-me e me encanta esse desejo de companhia num ambiente em que tudo já não existe, pois Érica está na miséria. E acredito que o leitor de hoje nem quer o contato com a miséria. Mas a perda do contato com o real nos torna desleais com a gente mesmo, torna-nos despreparados para ser homens. O homem ter de viver no real, aí sim ele respeita o real e a si mesmo.

Mas fui descobrir que esta importância da companhia, pois a am izade é companhia, talvez tenha sido retirada por Elio Vittorin do primeiro parágrafo do 3º vol. do romance "Jean-Christophe", de Romain Rolland, que acaba ter nova edição brasileira pela editora Globo. Gosto dos romances caudalosos. Este tem quase 1600 páginas, distribuídas em três volumes. Ainda não li. Mas está aqui sobre a minha cabeceira. Vejamos o tal parágrafo, parágrafo de assustadora beleza :

"Tenho um amigo!... Doçura de termos encontrados uma alma onde aninhar-nos em meio da tormenta; um abrigo terno e seguro, onde por fim respiramos, à espera de que se acalmem as pulsações de um coração ofegante! Não estarmos mais sós, não necessitarmos permanecer sempre armados, os olhos sempre abertos e queimados pelas vigílias, até que a fadiga nos entregue ao inimigo! Termos o companheiro querido, em cujas mãos pusemos todo o ser – e que pôs em nossas mãos todo o seu ser! Bebermos, enfim, o repouso, dormirmos enquanto ele vela, velarmos enquanto ele dorme! Conhecermos a alegria de proteger aquele a quem queremos, e que confia em nós, alegria de proteger aquele a quem queremos, e que se confia a nós, como uma criancinha. Conhecermos a alegria imensa de nos entregarmos a ele, de sentirmos que ele possui os nossos segredos e que dispõe de nós. Envelhecidos, gastos, cansados de carregarmos durante tantos anos a vida, renascermos, moços e vigorosos, no corpo do amigo, saborearmos com os olhos o mundo renovado, apreendermos, com os sentidos, as belas coisas passageiras, gozarmos com o coração o esplendor de viver... Mesmo sofremos com ele... Ah! o próprio sofrimento é alegria, contanto que estejamos acompanhados!
Tenho um amigo! Longe de mim, perto de mim, sempre em mim. Tenho um amigo, pertenço-lhe. Meu amigo me quer. Sou dele. A amizade confunde as nossas almas num só alma."

Lamentável que as pessoas de hoje, egocêntricas, se julguem as melhores pessoas do mundo. As melhores pessoas do mundo são aquelas que nos completam com a anizade. Somos seres imperfeitos em busca de completude — — — do amigo.

Um comentário:

  1. Sumiu Salompas!!!!

    Desaparece não! Pelo menos adianta a data de lançamento do livro aí!

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Salomão Sousa sente-se honrado com a visita e o comentário

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