3 de fevereiro de 2023

O grito de Elisa Marques para reparação da perda

Tomei conhecimento pelas redes sociais do lançamento do livro "Até minha terapeuta sente falta de você", de Elisa Marques. Encomendei-o ato contínuo à autora, mesmo sabendo que o estilo obedece uma característica que não atende os pressupostos poéticos que defendo. No entanto, não posso continuar resistindo aproximação dessa poética confessional, talvez implantada pela ligação dos autores novos com o tom direto das redes sociais. Ainda mais que uma das últimas autoras a levar o prêmio Nobel, Louise Gluck, escreve na mesma tonalidade de cartões amorosos. Vejamos um exemplo de Louise Gluck, com o estilo direto, diríamos prosaico e oral:

Me tornei uma criminosa ao me apaixonar.
Antes disso eu era uma garçonete.
 
Eu não queria ir para Chicago contigo.

É o primeiro livro dessa goiana, que está ligada ao cinema. Foi publicado pela editora Negalillu, que se dedica aos novos autores goianos, tais como Walacy Neto, que debutou na editora com um livro especialmente promissor para uma futura carreira poética bem sucedida.

São poemas minimalistas, com mensagens diretas, questionando a perda, o esvair do que foi: "os pedaços de ti que achei que nunca/me deixariam". Mas há permanência no amor? Remete-nos a Nagima Oshima, no filme "O império da paixão", que discute o quão destrutivo é a permanência da pulsão amorosa (sexual). Deixo para autoridades apropriadas a discussão da questão mulher lésbica e LGBTQIA+, conforme expresso na ficha catalográfica.

Não inferimos se a construção do livro tenha ligação com alguma atividade terapêutica direta, mas a poesia é, em si, uma atividade de desafogamento pessoal, sobretudo nos poemas de Elisa Marques. Antes de qualquer perda, confessa e aceita e valoriza a ausência do avô - Josiano Marques, escritor e professor goiano, que serve de referência para a autora. 

No entanto, temos de reconhecer que passamos por um momento de necessária alteridade. Não só a poesia tem de dialogar com as perdas, com os descaminhos e desentendimentos. Temos de recorrer ao diálogo direto para essa busca corporal de compreensão. Mesmo quando a linguagem não se livra de eivar-se de rancor (se fosse uma linguagem política, a linguagem portaria o ódio). Vivemos um mundo de ausências, por isso a selva povoada de rancor e ódio, com urgência de alteridade, seja ela postal ou grito, para absorção da ausência e do divergente.

Elisa Marques traz seu grito para reparar as perdas. Falta-nos gritar a alteridade para reparação dos danos sociais da política. 

você me ama
por causa deste livro.
e eu não sei se
te amo sem ele.

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