15 de fevereiro de 2023

Diálogo com o hino de Sófocles

É bem traduzida no Brasil a peça Antígona, de Sófocles. Nessa peça se encontra o poema que passaram a chamar Ode ao Homem, que considero uma grande saudação à capacidade humana de manter domínio sobre as coisas terrenas. Em momento de grandes dúvidas sobre a ética, compus um poema, com todas as minhas limitações, dialogando com Sófocles. Incluo como epígrafe os versos finais do poema, em tradução do poeta Guilherme de Almeida.

 

Quando respeita as leis
e os juramentos dos deuses,
é digno da pátria; mas é sem pátria
o que por orgulho a conduz ao mal:
esse não entre em minha casa
nem comigo tenha um pensamento igual.

Sófocles



Desastre ter de gastar pergaminho
para narrar horrores.
Ainda é prodigioso o homem
após aprender a organizar com habilidade
os artifícios do mal?

Por mais consciente da necessária
constância das velas para enfrentar
as estocadas tempestuosas do Noto,
ufana-se o homem
do impudor de impor destroços.
E, para os traços da charrua, escraviza,
em desperdício dos esforços
dos antepassados para viverem
em urbes pacificadas e livres.

O homem anula com ganância,
traz entorse com mercúrio
para justificar aquilo que mente,
apesar de ter ciência que posiciona
a mira de ceifar a infância
com balas perdidas e fome.
Enfuna maldade na forma de empilhar,
esmigalhar para enriquecer com ouro,
estanho e orçamento a que impõe sigilo.
Debaixo do banco traseiro
carrega dinheiro vivo e fuzil.

Há o palco para o espetáculo de prodígios.
mas se socorre da extorsão,
inocula diabólicas incertezas
com bordões idênticos e furunculosos.
E insere nos mesmos canais,
em todas abas da língua,
as fúrias. Com uma quântica inverossímil
enlouquece as formas de compreender
e de forjar razões.

Quem viu aquele que se ajoelha
e ora em prantos ao deus pneu?
Aquela senhora, que se afastou
envenenada de seu lar, deixou o jardim a secar
com a desventurada ausência.
Ficou o registro fotográfico.
Ao pé de uma escada
onde dois soldados ao alto
desprezam o zelo de seus rogos.
Riem do pedido sôfrego para que arrombem
e desconectem os cabos das urnas.

Sófocles, dois pequenos soldados
para escorraçar os juízes,
pois nas fronteiras não avançam inimigos
e o homem, em sua Pátria,
agora é o farsante de si mesmo.

O general, em seu refúgio, defende a tutela,
pois a democracia não atende
a bonança dos interesses classistas,
certamente de pecúnia farta.
Se estão impressos em artigo
esses não são versos de invenção do escriba,

Merece desterro o que desonra
a sua Pátria, que desfoca os artigos da lei,
o fluir de uma água até uma tribo
e atrofia os pequenos músculos
de crianças irmãs yanomamis.

É festiva a minha casa,
e, para que não a habite a desonra,
não dá acolhida a golpes, a fuzis no forro.
Esforço-me para que um voto
desintoxique-nos das inflamações da loucura
e à auspiciosa liberdade
não venha contradizer o édito.

Oh! Sófocles, livre sopra o Noto
e embaralha as folhas de pergaminho.
Prodígios de napalm, cianureto,
casas nas encostas, o veneno da mentira,
afundada barcaça do que emigra.
Quando deixarão de bater em nossa face 
os arrotos da civilidade perdida?

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