Eu tinha dado por encerrado o meu ciclo de comentários sobre cinema. Mas a temporada é tão rica, e — acima de tudo — cometeria uma injustiça com Clint Eastwood, que já me deu tantas alegrias através de outros filmes (Menina de ouro, As pontes de Madison, Bird, e tantos cowboys), se eu não manifestasse a minha comoção ao assistir as Cartas de Iwo Jima.
Este filme de Clint Eastwood compensa o didatismo de A conquista da honra, que assisti anteriormente um tanto desanimado.
Logo de entrada, fiquei de cara caída. O comandante, que chega para coordenar o efetivo japonês na ilha de Iwo Jima, apesar de durão, sistemático, é capaz de interromper atos de discórdia entre soldados e de lamentar que partiu para a guerra sem limpar o piso da cozinha (o chão da cozinha, dizemos em Goiás). Portanto, Clint Eastwood já indica que o homem não precisa perder a postura "humana" só porque está na guem conflito. E depois ele vai montado o resto... Se o japonês, no cinema de Hollywood, é o inimigo, vamos ver que ele também está defendo uma pátria, que ele também tem família, ilusões, dores, vitórias, derrotas. Tem muito mais: amizades, amizades até mesmo na pátria do inimigo. Fica afirmado: todo aquele que está em guerra - está em guerra porque tem uma pátria e que não quer perdê-la, nem mesmo uma pequena ilha que serve de porta de entrada para esta pátria pode ser desgarrada. Quer a sua pátria inteira, limpa, a partir da cozinha, e que nada esteja sujo, nem mesmo o seu acampamento de batalha! Quem vai descarregar o pinico?
Como o americano, em Cartas de Iwo Jima, é o inimigo, é ele que pilha e humilha. Portanto, o inimigo é o sujo. O inimigo é sempre o sujo — de atitudes sujas, de pátria suja...
E o velho Clint conseguiu intercalar com riquezas de ouro as leituras culturais da tradição japonesa (veja o surgimento da espada no campo de batalha) e mesmo da tradição do teatro shakespeareano — ou aquele garoto, que vive relembrando a amada, o seu trabalho de padeiro, não é um bobo da corte (da corte da guerra)? E Kurossawa também já colocara o bobo da corte no seu filme Ran (que já assisti tantas vezes)!! É o fogo cruzado da guerra das culturas. Fogo cruzado que não nos fere — apenas nos enriquece. É isso. Quem ver o filme, veja o resto. Sinta que os dramas humanos não maiores ou menores aqui ou ali, mas que a paz talvez deixe a vida um pouco mais em ordem. E, de qualquer lado em que estivermos, procuremos viver com limpeza (que signica nobreza no dicionário de qualquer pátria).
Salo,
ResponderExcluirlido!
Como ficar sem os seus comentários que nos clareia o entendimento dos filmes? De fazer crescer a vontade de ver o filme e deliciar com o privilégio de entender o filme, ou até vê-lo com mais atenção.
ResponderExcluirEstou ficando mau acostumada, ou melhor, bem acostumada. É sempre um prazer lê-lo.
Um grande beijo,
Jackie.