8 de março de 2007


Eu tinha dado por encerrado o meu ciclo de comentários sobre cinema. Mas a temporada é tão rica, e — acima de tudo — cometeria uma injustiça com Clint Eastwood, que já me deu tantas alegrias através de outros filmes (Menina de ouro, As pontes de Madison, Bird, e tantos cowboys), se eu não manifestasse a minha comoção ao assistir as Cartas de Iwo Jima.

Este filme de Clint Eastwood compensa o didatismo de A conquista da honra, que assisti anteriormente um tanto desanimado.

Logo de entrada, fiquei de cara caída. O comandante, que chega para coordenar o efetivo japonês na ilha de Iwo Jima, apesar de durão, sistemático, é capaz de interromper atos de discórdia entre soldados e de lamentar que partiu para a guerra sem limpar o piso da cozinha (o chão da cozinha, dizemos em Goiás). Portanto, Clint Eastwood já indica que o homem não precisa perder a postura "humana" só porque está na guem conflito. E depois ele vai montado o resto... Se o japonês, no cinema de Hollywood, é o inimigo, vamos ver que ele também está defendo uma pátria, que ele também tem família, ilusões, dores, vitórias, derrotas. Tem muito mais: amizades, amizades até mesmo na pátria do inimigo. Fica afirmado: todo aquele que está em guerra - está em guerra porque tem uma pátria e que não quer perdê-la, nem mesmo uma pequena ilha que serve de porta de entrada para esta pátria pode ser desgarrada. Quer a sua pátria inteira, limpa, a partir da cozinha, e que nada esteja sujo, nem mesmo o seu acampamento de batalha! Quem vai descarregar o pinico?
Como o americano, em Cartas de Iwo Jima, é o inimigo, é ele que pilha e humilha. Portanto, o inimigo é o sujo. O inimigo é sempre o sujo — de atitudes sujas, de pátria suja...
E o velho Clint conseguiu intercalar com riquezas de ouro as leituras culturais da tradição japonesa (veja o surgimento da espada no campo de batalha) e mesmo da tradição do teatro shakespeareano — ou aquele garoto, que vive relembrando a amada, o seu trabalho de padeiro, não é um bobo da corte (da corte da guerra)? E Kurossawa também já colocara o bobo da corte no seu filme Ran (que já assisti tantas vezes)!! É o fogo cruzado da guerra das culturas. Fogo cruzado que não nos fere — apenas nos enriquece. É isso. Quem ver o filme, veja o resto. Sinta que os dramas humanos não maiores ou menores aqui ou ali, mas que a paz talvez deixe a vida um pouco mais em ordem. E, de qualquer lado em que estivermos, procuremos viver com limpeza (que signica nobreza no dicionário de qualquer pátria).

2 comentários:

  1. Como ficar sem os seus comentários que nos clareia o entendimento dos filmes? De fazer crescer a vontade de ver o filme e deliciar com o privilégio de entender o filme, ou até vê-lo com mais atenção.
    Estou ficando mau acostumada, ou melhor, bem acostumada. É sempre um prazer lê-lo.

    Um grande beijo,
    Jackie.

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Salomão Sousa sente-se honrado com a visita e o comentário

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