21 de janeiro de 2008

Neste dia em que acabam as minha férias,

acordo com a sensação de que falo

todas as línguas do mundo,

menos a que cresceu comigo,

que deu voz às minhas alegrias

e realidade ao universo em que sempre vivi.

Não consigo me comunicar com meus familiares,

com a realidade que me circunscreve,

com a anarquia dos meios de comunicação,

com.


A poesia é uma procura — de um lugar, de uma ordem,

de um Reino, ou mesmo de um desastre infernal

a nos comer eternamente o fígado.

Todo homem está numa procura. De si mesmo, de um lugar.

A procura dos limões para o olhar,

dos girassóis para o sol das manhãs.

Uma frágil mão para fortalecer a nossa frágil mão.

A partir da tradução de Octavio Paz,

deixo aqui a minha versão do poema que Czeslaw Milosz

dedicou ao poeta hindu Raja Rao,

que trata desta universal procura.


Raja Rao, como gostaria de saber
a causa desta enfermidade.

Anos a fio não pude aceitar
que onde estava era meu recanto.
Em outra parte estava meu lugar.

A cidade, as árvores,
as vozes dos homens,
não eram, não estavam.
Vivia num eterno partir.

Noutro lado havia uma cidade real,
árvores reais, vozes, amizade, amor, presenças.

Atribubue, se quiseres, este caso peculiar,
à borda da esquizofrenia,
à messiânica esperança
de minha civilização.

Infeliz sob a tirania,
infeliz na república:
numa, suspirava pela liberdade;
noutra, pelo fim da corrupção.

Construía em minha alma uma cidade,
permanente, às pressas desterrada.

Por fim aprendia a dizer: esta é minha casa,
aqui, diante da chama do crepúsculo marinho,
nesta margem à beira de tua Ásia,
nesta república moderadamente corrompida.

Raja, nada disto me curou,
de meu pecado, de minha vergonha.
A vergonha de não ser
aquele que pude ser.

A imagem de meu ser
cresce gigantesca no muro
e esmaga minha sombra miserável.

Por isso acredito no Pecado Original,
que não é outra coisa senão a primeira
vitória sobre o eu.

“Atormentado pelo eu e pela traição”:
te dou, como vês, um fácil argumento.

Ouvi que falavas em libertação:
idêntica à de Sócrates
a sabedoria de teu guru.

Não, Raja, eu devo começar
a partir do que sou.
Sou os monstros que habitam meus sonho,
os monstros que me ensinam quem sou eu.

Se estou enfermo, quem pode dizer
que o homem é uma criatura sã?

A Grécia tinha que perder, sua pura inocência,
tinha que se tornar mais intensa nossa agonia.

Precisávamos de um Deus que nos amasse,
não na glória da beatitude: em nossa fraqueza.

Não há alívio, Raja,
meu destino é agonia e luta,
abjeção, amor e ódio a mim mesmo:
Orar pelo Reino Eterno e ler Pascal.

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