24 de fevereiro de 2010

Novamente Tom Jones

Já li um quarto do romance Tom Jones, de Henry Fielding. Estou comovidíssimo com a sua atualidade: forma ousada de intercalação das interpretações autorais com andamentos romanescos, crítica de costumes, de postura política. Afinal, aquilo que se pratica com raridade na arte romanesca da modernidade. Clássico é para realmente nos fazer morrer de satisfação. Machado de Assis soube lê-lo como poucos. Mais uma pequena citaçãozinha do referido livro:

"É possível (...) que eu não perceba, de vez em quando, um ou outro verso, porque metade das letras sai apagada; mas sei muito bem que isso quer dizer que os nossos negócios não vão tão bem como deviam, por causa do suborno e da corrupção."

17 de fevereiro de 2010

Leituras

Dialogando com o amigo Herondes Cezar, chegamos a novas conclusões sobre a regência do verbo "deparar", pois o mesmo admite, com a dinâmica da língua, quase todas as possibilidades: a) transitivo direto; b) transitivo indireto (com a preposição com); c) pronominal com a preposição com; d) transitivo direto e indireto; e) transitivo indireto com a preposição a; f) pronominal, usado com a preposição a.

Deduz-se,assim, que as construções usadas na tradução citada abaixo, estão corretas.

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Alterei a ordem proposta ao Jornal Opção para as minhas leituras em 2010. Com a proximidade do lançamento do filme baseado no livro, li Alice no país das maravilhas. Fiquei encantado, maravilhado (edição meio adaptação da Cosac Naif). Vou reler numa tradução mais fidedigna e mais fidedigno deverá ser o maravilhamento.

Cheguei a consultar a Dad Squarisi sobre o uso de dois verbos pronominais pelo tradutor de Alice no país das maravilhas, edição da Cosac Naif — deparar e secar. Logo nas primeiras páginas, Alice "deparou com uma mesinha" (pág. 15). Neste caso, o verbo não é pronominal, mas tem de ser dispensada a preposição "com", pois "mesa" é um objeto inanimado. Na pág. 19, seria o mesmo caso da abolição do "com". O verbo "secar" (pág. 33) está usado corretamente, pois Alice tinha de secar rapidamente (estava molhada) (A frase: Sei como todo fazer todo mundo secar rapidamente.). Mas no final do livro "pôr-do-sol" (pág. 146) está grafado incorretamente sem hífen. E se mais erro houver, que fique para São Consertador de Defeitos. Só mesmo para lembrar que não estamos imunes a incorreções e a infidelidades.

E tropecei no Tom Jones, de Henry Fielding, que é leitura adiada desde a minha juventude.
Deixo aqui uma frase que aparece na longa dedicatória do Tom Jones:

"... nada do que se consegue pelo crime pode compensar a perda desse sólido conforto interior do espírito, companheiro seguro da inocência e da virtude; nem pode, de forma alguma, equilibrar o mal desse horror e dessa ansiedade que, no lugar delas, a culpa nos introduz no seio."

Poderíamos reduzir a frase, tornando-a atual:

Nada do que se consegue pelo crime pode compensar a perda do conforto interior.

A teoria da garça

Numa ginga de fole,
a garça avança
com seus passos moles,
pescoço mole.

A garça afunda
— de um lance —
o longo bico
no tanque da Esplanada.

Num ato ilegal,
engole o peixinho
que era de enfeite.
Essa é a teoria

— a garça não vai presa.

14 de fevereiro de 2010

ESCLARECIMENTOS DA EDITORA LANDMARK

A editora Landmark comentou a minha postagem sobre a edição de Mansfield Park, de Jane Austen. Transfiro para esta postagem a íntegra dos comentários para dar transparência aos esclarecimentos prestados. A tradutora do livro, Adriana Zardini, também presta os seus esclarecimentos (basta conferir na postagem seguinte). Cabe a mim apenas desejar que tanto a editora Landmark quanto a tradutora tenham sucesso nos seus empreendimentos sem novos constrangimentos. O mercado precisa de novas traduções, e de experiência em experiência — às vezes infeliz como essa — que vamos chegando a novas qualidades editoriais.


"Gostaríamos de informar a todos que o Departamento Editorial da Editora Landmark já identificou os problemas com a tradução realizada, reconhecendo que o trabalho realizado pela Sra. Adriana Zardini não foi um trabalho adequado e necessário diante da importância do texto de Jane Austen. Foram identificados diversos erros em um trabalho repleto de vícios de tradução e equívocos ortográficos quanto ao bom vernáculo esperado e contratado por nosso Departamento Editorial; informamos que cientes desses problemas que comprometem a correta leitura e entendimento do magnífico texto de Jane Austen, a Editora Landmark já está procedendo à uma ampla revisão da tradução realizada que será lançado ainda neste mês de fevereiro de 2010. Conscientes da responsabilidade de nossa edição, estaremos procedendo à substituição de todos os volumes solicitados por aqueles que desejarem e gostaríamos que nossa manifestação fosse divulgada alertando a todos os leitores sobre estes fatos.

Atenciosamente,

SAC
Editora Landmark
editora@editoralandmark.com.br"

12 de fevereiro de 2010

Edição de Jane Austen

Quando li o cânone de Harold Bloom, anotei alguns livros que teria de conhecer. Numa viagem a Fortaleza comprei uma edição esgotadíssima de Mansfield Park, romance de Jane Austen, que está indicado no cânone do crítico inglês. Fiquei cozinhando e nunca li o livro. Em 2009, saiu nova tradução do livro pela editora Landmark, que é especializada em edições bilíngues — certamente para uso em cursos de língua. Decidi ler pela nova edição.

Mas eu confesso: levei um susto. Trata-se de uma das únicas edições lançadas no mercado nacional que precisa de recall. A tradução é inclassificável, os erros incontáveis! Talvez eu até ignore os novos destinos de edições de livros assim — como é para uso didático, talvez contenha tantos erros para que os estudantes treinem através da correção. Mas, no meu caso, que não sou estudante, gostaria de um recall deste livro - é obrigação da editora. Precisamo aplicar o Código de Defesa do Consumidor no que respeita aos objetos culturais. Basta ver o que tem aparecido no mercado de dvd's — imagens totalmente esfumaçadas! Código do Consumidor neles! Cutura é coisa séria.

Em Mansfield Park, numa leitura horizontal, é raro não assinalar pelo menos três erros gráficos por página. Sugiro uma olhada na página 290. Na quinta linha: "Ele tinha certeza o quanto..." Certeza exige um "de". Na nona linha: "serviu para aumentar suas dores de Edmund..." Se as dores são do personagem Edmundo, não são "suas", mas simplesmente "as". Lá pelo terceiro parágrafo, pulando alguns outros problemas, não podemos admitir o uso da próclise num romance vitoriano: "O via raramente...." No final deste mesmo parágrafo, aparece uma concordância verbal incorreta: "se restabelecesse as conversas..." Há uma confusão geral-verbal numa frase do quarto parágrafo: "Era uma oportunidade para qualquer pessoa que tivesse um amigo ao seu lado, abrisse o coração e contasse." Cada um tire a sua conclusão, mas esse verbo do meio aí aparesse com esses demais, pois não devia ter nenhum. No final deste quarto parágrafo, não sei se foi o tradutor (a) que mandou assim para a composição ou se foi o tradutor virtual que mandou assim para a gráfica: "Fanny não tinha ter receio da de uma repetição, esse seria um assunto completamente proibido entre eles." Oh! controle de qualidade editorial! Ai, Euler, peça a esse pessoal para reorganizar este livro. Que façam o recall!

Espero que os demais títulos da editora não estejam tão sofríveis!

Poema de Federico Garcia Lorca

Pranto pela morte de Inácio


Que não quero vê-lo!

Dize à lua que venha,
que não quero ver o sangue
de Inácio sobre a areia.

Que não quero vê-lo!

A lua de par em par.
Cavalo de nuvens quietas,
e a praça cinza do sonho
com salgueiros nas cancelas.

Que não quero vê-lo!
Que minha lembrança inflama.
Avisa aos jasmins
com sua brancura pequena!

Que não quero vê-lo!

A vaca do velho mundo
raspava sua triste língua
sobre o nariz do mesmo sangue
derramado na areia,
e os touros de Guisando,
quase morte e quase pedra,
mugiram como dois séculos
fartos de pisar a terra.
Não.
Não quero vê-lo!

Subia Inácio pelos degraus
com sua morte nas costas.
Buscava o amanhecer,
e o amanhecer já não era.
Busca a pose segura
e o sonho o desorienta.
Buscava o formoso corpo
e encontrou-o de sangue aberto.
Não venha me dizer que o vê!
Não quero sentir o jorro
sempre com menos força;
esse jorro que ilumina
os estirados e entorna
sobre o pano e o couro
da multidão sedenta.
Quem grita que me aponte!
Não venha me dizer que o vê!

Seus olhos não se fecharam
quando viram os chifres perto,
mas as mães assustadas
levantaram as cabeças.
E pelas invernadas
houve um ar de vozes secretas
que gritavam por touros celestes,
os maiorais da pálida neve.
Não teve príncipe em Sevilha
que ser comparado pudesse,
nem espada como sua espada,
nem coração tão deveras.
Como um rio de leões
sua força maravilhosa,
e como um torso de mármore
a escritura de sua prudência.
Ar de Roma andaluz
ali dourava a cabeça
onde o riso era um nardo
de sal e inteligência.
Que grande toureiro na praça!
Que grande serrano na serra!
Que sereno com as espigas!
Que duro com as esporas!
Que terno com o orvalho!
Que deslumbrante na feira!
Que tremendo com as últimas
bandarilhas de trevas!

No entanto, dorme eterno.
Já os musgos e a erva
abrem com dedos seguros
a flor de sua caveira.
E seu sangue vai cantando:
cantando por pradarias e restingas,
resvalando por chifres rijos,
vacilando sem alma pela neve
em milhares de cascos tropeça,
longo chifre, escura, triste língua,
para formar de agonia um charco
junto ao Guadalquivir das estrelas.
Oh! branco muro de Espanha!
Oh! negro touro de pena!
Oh! duro sangue de Inácio!
Oh! rouxinol de suas veias!
Não.
Não quero vê-lo!
Que não há cálice que o contenha,
que não há andorinhas que o bebam,
não há geada de lua que o esfrie,
não há canto nem dilúvio de açucenas,
não há cristal que o cubra de prata.

Não! Eu não quero vê-lo.

Tradução: Salomão Sousa

11 de fevereiro de 2010

Carnaval a la Garcia Lorca

O bando de valentes na praça,
rondam sem espada e prudência!
A sua língua é sábia,
lambe o sangue da indigência!
Raminho de arruda,
na lapela, imprudência!

As mães nem se assustam
na praça da indecência!
Não há mãe, ninguém se assusta
com a prisão de um homem indecente!
Ainda mais se esse homem
é feito de muita gente!









RETRATO, poema de Antonio Machado

Traduzi para meu consumo o poema "Retrato", do espanhol Antonio Machado. Trata-se de um dos poetas de minha predileção, assim como...