Enquanto
aguardo sair do forno o meu livro "Vagem de vidro" para lançamento em 7
de março, assisto com o meu amigo João Carlos Taveira, dois fimes
imagéticos com músicas de Chris Rea, que acompanham seu album "Santo
Spirito". Um, com guitarra flamenca e imagens de touradas, melancolia
dolorosa; e, outro, com música também progressiva, com extraterrestres
fazendo uma avaliação do tom agressivo que impera na Terra. (Parêntese:
lamentável o estupro de indianas). (Parêntese: parabens a Seedorf pela
bela entrevista ao programa Estrelas. Raro um atleta manter um diálogo
tão consciente e rico. Parabens!).
A poesia é meu território, e a cada dia planto e colho grãos em seus campos. Com a poesia, eu fundo e confundo a realidade. (Linoliogravura do fundo: Beto Nascimento)
29 de dezembro de 2012
24 de dezembro de 2012
Felicitações de Natal
Somos um vasto mar
que nasce de um vasto vazio
e depois se enche de vida.
Somos um vasto céu
que se enche de noite
e se alterna cheio de luz.
A mão do outro é um
raio de luz. O olho do outro é um
raio de luz.
A amizade é um
raio de luz.
Sejamos um favo
e o outro venha pousar
em busca de mel!
O historiador Jean-Pierre Vernant diz: “Quando comemos, bebemos e rimos juntos, e fazemos também coisas graves e sérias, essa cumplicidade cria laços afetivos tais que só sentimos nossa existência plena pela proximidade do outro”.
As comemorações de fim de ano foram criadas para que nos lembremos da necessidade de eterna renovação de nossa postura no mundo; da necessidade de sermos cidadãos exemplares, que agem bem em sociedade, respeitadores da lei, da ordem; e trabalham para que os outros tenham vidas felizes, com exemplos, trabalho e amizade.
Atuemos bem no mundo e, assim, como diz Vernant, o outro tenha orgulho de nossa proximidade. Que o outro diga de nós: quero este para ser meu vizinho, para ser meu representante, para ser meu amigo.
Feliz Natal e Próspero Ano Novo!!!!
que nasce de um vasto vazio
e depois se enche de vida.
Somos um vasto céu
que se enche de noite
e se alterna cheio de luz.
A mão do outro é um
raio de luz. O olho do outro é um
raio de luz.
A amizade é um
raio de luz.
Sejamos um favo
e o outro venha pousar
em busca de mel!
O historiador Jean-Pierre Vernant diz: “Quando comemos, bebemos e rimos juntos, e fazemos também coisas graves e sérias, essa cumplicidade cria laços afetivos tais que só sentimos nossa existência plena pela proximidade do outro”.
As comemorações de fim de ano foram criadas para que nos lembremos da necessidade de eterna renovação de nossa postura no mundo; da necessidade de sermos cidadãos exemplares, que agem bem em sociedade, respeitadores da lei, da ordem; e trabalham para que os outros tenham vidas felizes, com exemplos, trabalho e amizade.
Atuemos bem no mundo e, assim, como diz Vernant, o outro tenha orgulho de nossa proximidade. Que o outro diga de nós: quero este para ser meu vizinho, para ser meu representante, para ser meu amigo.
Feliz Natal e Próspero Ano Novo!!!!
Lêdo Ivo
Faleceu neste domingo (23), aos 88 anos, durante uma
viagem à Espanha, o poeta brasileiro Lêdo Ivo.
Não é um poeta popular, mas bem poderia ser, pois de
expressão lírica, de profundo enraizamento na realidade e na vida.
De uma vasta obra, que perpassou pela Geração de 45, mas interligada com a lírica universal, Lêdo
Ivo, de Alagoas, teve ótimas relações com Brasília. Participou de encontros de
escritores na cidade, manteve correspondência com vários escritores
brasilienses e Antonio Miranda, ainda agora em 2012, publicou pela Poexílio, o
livro inédito dele Poesia Breve (ver e-book), em tiragem numerada, de luxo.
Na década de 70, saí de casa, para encontrá-lo num
encontro de escritores para pegar um autógrafo. Voltei sem pedi-lo, pois, ele,
no auge de sua produção, conquistando os prêmios de poesia mais importantes daquela época,
voluntarioso, cercado pela nata dos poetas; eu, poeta inédito, preferi não
me acercar dele. E, com isso, foi um dos raros poetas que admiro, ao longo destes
últimos anos, de que não aproximei para expressar a minha admiração. Aqui tenho as minhas fotos com Manoel de Barros, com Adélia Prado, as minhas cartas de Drummond, de Zila Mamede, os meus autógrafos de Ferreira Gullar e Thiago de Mello e Juan Gelman, e de muitos outros.
Mas, onde
ele estiver, saiba, que leio sempre a sua obra e a admiro.
Canto Grande
Não tenho mais canções de amor.
Joguei tudo pela janela.
Em companhia da linguagem
fiquei, e o mundo se elucida.
Do mar guardei a melhor onda
Não tenho mais canções de amor.
Joguei tudo pela janela.
Em companhia da linguagem
fiquei, e o mundo se elucida.
Do mar guardei a melhor onda
que é menos móvel que o amor.
E da vida, guardei a dor
de todos os que estão sofrendo.
Sou um homem que perdeu tudo
mas criou a realidade,
fogueira de imagens, depósito
de coisas que jamais explodem.
De tudo quero o essencial:
o aqueduto de uma cidade,
rodovia do litoral,
o refluxo de uma palavra.
Longe dos céus, mesmo dos próximos,
e perto dos confins da terra,
aqui estou. Minha canção
enfrenta o inverno, é de concreto.
Meu coração está batendo
sua canção de amor maior.
Bate por toda a humanidade,
em verdade não estou só.
Posso agora comunicar-me
e sei que o mundo é muito grande.
Pela mão, levam-me as palavras
a geografias absolutas.
E da vida, guardei a dor
de todos os que estão sofrendo.
Sou um homem que perdeu tudo
mas criou a realidade,
fogueira de imagens, depósito
de coisas que jamais explodem.
De tudo quero o essencial:
o aqueduto de uma cidade,
rodovia do litoral,
o refluxo de uma palavra.
Longe dos céus, mesmo dos próximos,
e perto dos confins da terra,
aqui estou. Minha canção
enfrenta o inverno, é de concreto.
Meu coração está batendo
sua canção de amor maior.
Bate por toda a humanidade,
em verdade não estou só.
Posso agora comunicar-me
e sei que o mundo é muito grande.
Pela mão, levam-me as palavras
a geografias absolutas.
5 de dezembro de 2012
Estou
de luto. Morreu o pianista Dave Brubeck. Quanto alegria a sua música já
me proporcionou e proprocionará. Ouvirei por três dias o disco "Time
Out", o mais vendido de todos os tempos da história do JAZZ!
Uma semana de grandes perdas de personagens que tiveram grande interferência em minha vida. JOTA PINGO, a irreverência de Brasília; DÉCIO PIGNATARI, que representa um salto na poesia brasileira; DAVE BRUBECK referência total do Jazz; e, claro, OSCAR NIEMAYER. Vivi a maior parte de minha vida dentro das obras deNiemayer ou à vista delas (35 anos quase, 10 horas por dia); ouço constantemente o piano de Dave Brubeck; leio e faço a poesia que Pignatari deu coordenadas; e, do Pingo, fica a saudade de nossos tantos encontros nos corredores do Congresso Nacional.
Uma semana de grandes perdas de personagens que tiveram grande interferência em minha vida. JOTA PINGO, a irreverência de Brasília; DÉCIO PIGNATARI, que representa um salto na poesia brasileira; DAVE BRUBECK referência total do Jazz; e, claro, OSCAR NIEMAYER. Vivi a maior parte de minha vida dentro das obras deNiemayer ou à vista delas (35 anos quase, 10 horas por dia); ouço constantemente o piano de Dave Brubeck; leio e faço a poesia que Pignatari deu coordenadas; e, do Pingo, fica a saudade de nossos tantos encontros nos corredores do Congresso Nacional.
Lançamento de Ivan Monteiro
Estive ontem no Café Martinica no Lançamento do belísismo livro de Ivan Monteiro. Vou ver se consigo faezr algum comentário sobre o livro neste fim de semana.
2 de dezembro de 2012
Um alguém apaixonado
Fui
ao cinema neste domingo para ver "Um alguém apaixonado". Aguardo
sempre, com grande expectativa, os lançamentos dos filmes do iraniano
Abbas Kiarostami. Ele tem sutileza para entrar e dominar o tema. Desta
vez, não vá ao cinema para ver um filme de amor, mas uma referência ao
tema da beleza e velhice, associado ao sexo - tema que que já foi
vencido com grandeza pelos escritores Kawabata e Gabr
iel
Garcia Marquez. Não assistir o filme como uma esperança de realização
sexual, mas sobre a necessidade da beleza em todas as idades. Abbas é
Abbas. Só me admiro que a crítica já não saiba ler as referências entre
cinema e literatura. Mas chega. Cada um busque a sua interpretação. E,
se não tiver assistido, veja também "Cópia Fiel", Ai, que saudade de
"Através das oliveiras", "Gosto de cereja"... Ai meu Deus, e "Onde fica a
casa do meu amigo?".
24 de novembro de 2012
Plutarco
Estou saindo de Salvador. Muito sol, calor violento e muito engarrafamento.
No café da manhã, um jovem me saudou com urros de burro.
Ao retornar do café para o quarto do hotel, abri o livro "Vidas Paralelas", de Plutarco, antes de ir à praia. Esta lá uma pergunta do imperador Júlio César que eu poderia ter feito ao grupo de jovens. Ao andar pela cidade de Roma, Júlio César se depara com um grupo de forasteiros carregando pequenos cães e macacos. O imperador indaga: em sua terra as mulheres não parem crianças?
Moral: não podemos perder a nossa postura humana.
No café da manhã, um jovem me saudou com urros de burro.
Ao retornar do café para o quarto do hotel, abri o livro "Vidas Paralelas", de Plutarco, antes de ir à praia. Esta lá uma pergunta do imperador Júlio César que eu poderia ter feito ao grupo de jovens. Ao andar pela cidade de Roma, Júlio César se depara com um grupo de forasteiros carregando pequenos cães e macacos. O imperador indaga: em sua terra as mulheres não parem crianças?
Moral: não podemos perder a nossa postura humana.
14 de novembro de 2012
25 de outubro de 2012
Meus amigos no Jabuti
Noto que
hoje, relacionamo-nos muito mal na literatura. Aí pelas décadas de 70, 80,
todos os escritores se comunicavam, se diziam amigos. Numa lista de 87 autores
premiados no Jabuti, em 2012, posso dizer que sou amigo de dois autores, e
quase amigo de um terceiro (já que trocamos alguma correspondência) sendo que,
na minha área, - poesia – não troquei até agora sequer um scrap em rede social
com os três autores premiados. Parabéns a
todos os premiados, especialmente aos meus amigos Stela Maris Rezende, Edival
Lourenço, e Chico Lopes.
Infantil
1º - A
mocinha do Mercado Central - Stella Maris Rezende - Editora Globo
2º - A
guardiã dos segredos de família - Stella Maris Rezende - Edições SM
Romance
1º -
Nihonjin - Oscar Nakasato - Editora Saraiva
2º -
Naqueles morros, depois da chuva - Edival Lourenço - Editora Hedra
3º - O
estranho no corredor - Chico Lopes - Editora 34
Poesia
1º -
Alumbramentos - Maria Lúcia Dal Farra - Editora Iluminuras
2º - Vesuvio
- Zulmira Ribeiro Tavares - Companhia das letras
3º - Roça
Barroca - Josely Vianna Baptista - Cosac & Naify
20 de outubro de 2012
Ajuste com a infância através da leitura de André de Leones
Nesta manhã de sábado, enquanto
aguardo o dia se ajustar ao horário de verão, repasso rapidamente o romance Dentes negros, de André de Leones. As
imagens inseridas ao texto do livro, a busca de raízes, o percurso dos
personagens num movie road, remetem-me
a algumas reflexões da minha infância.
Mas ainda não será desta vez que
irei abordar criticamente um livro de André de Leones (e já abordando!). Estas
palavras é mais para dialogar comigo mesmo.
Talvez por sermos de Silvânia, prazerosa
cidade histórica de Goiás, e eu e sua mãe termos vivido uma juventude de íntima
e construtiva amizade, tive o privilégio de ter sido um dos primeiros leitores
de um livro dele. Livro inédito, de poesia. Ele já vivia sua inquietude e sua
busca, rumo à maturidade. Lembro-me de nosso encontro na casa de minha irmã.
Em Dentes negros, os personagens, mesmo apregoando que não tiveram
infância, vão rememorando pequenos fatos, que não deixam de ser a formação de
uma geração: a do próprio André de Leones, que perdeu a intimidade com ruas
raízes para ativar a intimidade com o humano. Basta ver que as imagens integradas
ao texto não trazem nenhum vulto de ser vivo. O que já comprova a mudança do formato
de as gerações formarem as imagens da infância: os locais destas imagens de
André de Leones, para mim, sempre aparecerão povoadas de pessoas, pássaros e outros
animais da infância. E da própria maturidade, quando de meus retornos a estas
paisagens. Acredito que eu não conseguiria flagrar estas paisagens de Dentes negros esvaziadas de humanidade.
O esvaziamento das figuras da infância é um dos fatores da produção de rancor. Por
isso eu digo que todas as contradições de minha infância e de minha juventude
estão resolvidas: o bulling, a
pobreza, a exploração do trabalho infantil, tudo. Insito: tudo isso está
integrado à minha aprendizagem de nacionalidade e de minha própria
personalidade.
A geração que veio com o
surgimento da “geração tela” (só para usar da sabedoria de Harold Bloom) ─ que é a de André de Leones ─, não tiveram e não terão a
mesma formação das gerações anteriores. Aí as dificuldades de os personagens de
Dentes negros se identificarem com o
passado. Dentro da velocidade, com
espaços que sempre estão se modificando, sobra muito pouco tempo para a geração
tela se deter no homem com contato visual e físico.
Dentes negros, e espero que assim seja com todos os futuros livros de
André de Leones, é de temática atual, oportuno e que merece ser adotado nas
escolas goianas, para que a juventude se veja e, assim, veja se é isto mesmo
que quer. Só um autor desta geração que agora se forma para registrar as
contradições do homem novo que vai se formando no país. A minha já está muito
distante da infância para se aborrecer com as próprias origens, mas que mantém
a esperança e a luta para que o homem do Planeta, do Brasil, das pequenas
cidades silvanienses vá se formando com dignidade e ética, satisfeito consigo e
com a nacionalidade.
17 de outubro de 2012
José Inácio lança livro em Brasília
José Inácio Vieira de Melo, poeta atuante e atual, generoso, de mil e uma redes de literatura, lança seu novo livro em Brasília. Importrante para quem for ao lançamento: a data correta é dia 24. Apresentação do amigo Antonio Miranda. Todos colocando o evento na agenda.
20 de setembro de 2012
ACRÓSTICO DE ANIVERSÁRIO
(nos 60 anos de Salomão Sousa)
Ser, acima de
tudo, um verdadeiro
Amigo - generoso,
solidário,
Leal, não é
problema para
O querido
aniversariante de hoje,
Marido da
Chiquinha, pai e
Avô de tantos
filhos e netos que
O amam e
respeitam sem ressalvas.
Sessenta anos de
uma bela vida,
Ornada pelos
melhores sentimentos,
Um deles de
causar justa admiração:
Salomão Sousa,
seu nome é sinônimo de
Amizade, sua
pátria é o afeto.
Fabio de Sousa Coutinho
Brasília, DF, 19.9.2012
19 de setembro de 2012
Os pequenos aprendizes de poesia
Recebi o seguinte e-mail de minha amiga Marta Teixeira:
Os Poetas
O Eduardo tinha que fazer uma poesia para a Escola.
Os Poetas
Então
resolvi visitar um poeta de verdade (Salomão Sousa). Levei comigo dois
seguidores e aprendizes de poeta: Eduardo e Lucca - embora contra a
vontade deles que queriam o vídeo game.
Salomão ensinou que a poesia pode brotar de qualquer coisa: da lua, da cachoeira, da janela do carro. Qualquer coisa.
Coloquei o jantar em casa para os dois meninos - escondidinho de
carne moída.
E iniciei a conversa:
Que tal a gente fazer uma poesia? Pode ser para o escondidinho, que já ganhou o título.
Lucca engrenou logo os três primeiros versos. Eduardo continuou. Tira dali, tira daqui, veja o que sobrou:
Escondidinho
Pega carne
Pega batata
Acho que bate
Amassa batata
Faz o purê
Bota no fundo
Pega carne
Bota no meio
Pega o purê
Bota em cima
Tudo isso em uma grande
forma
Que bota no forno
Assa correndo
Espera faminto
Bota no prato
Tudo quentinho
Hum!!!
Que delícia!
18 de setembro de 2012
EXERCÍCIOS PARA DEVORAR UM CARVALHO
Para
não continuar morrendo de inveja das conferências fictícias de Eliot no livro de
perfeição incontestável de Gonçalo M. Tavares, isolo uma frase do romance As vidas de Dubin, do norteamericano
Bernard Malamud, para uma análise também fictícia, pois tudo que gira na esfera
do teórico é imaterial.
Bernard
Malamud é mestre na inserção de silogismos poéticos de extrema sabedoria em
suas narrativas. No entanto, nem tudo que é sábio carrega praticidade no
momento de aplicação nos atos de enfrentamento da realidade. A poesia e a
sabedoria não existem para serem postas em execução na práxis. A poesia e a
sabedoria existem para enlevar, engrandecer, deixar evidente que em algum
momento o indivíduo pode agir heroica e belamente.
Em
minhas análises da frase de Malamud, não vou ter em mente o personagem romanesco
a que ela se refere, mas o homem enquanto ser presente na realidade,
materializado, que atua, constrói e destrói, pois, o ato de devorar exige
materialidade tanto do devorador quanto do elemento a ser consumido ─ exige
presença e resistência corporal um frente ao outro. As águas devoram as
margens. O mar devora o barco. O convidado devorou a galinha caipira. A mó
tritura o grão. Avalio que é no mínimo estranho dizer – devorou o romance em três dias. Devorar é comer, é destroçar com
ligeireza. E para comer um livro não são necessários três dias. Pode-se muito
bem comê-lo em dez minutos; vamos, então, admitir que um livro possa ser
devorado em meia-hora para não perder a elegância das boas maneiras à mesa e
também para não prejudicar a digestão.
Mas
passemos à frase silogística em questão:
“Às
vezes sentia-se como uma formiga pronta para devorar um carvalho.”
Numa
análise inicial, é uma assertiva gastronomicamente correta, pois a formiga e o
carvalho pertencem à materialidade do mundo. Podem ser colocados num campo de
enfrentamento. A formiga, ou seja, o homem pode devorar, bem como o carvalho
pode ser devorado. No entanto, pode-se dizer que é ecologicamente incorreto. A
legislação já não admite que se possa sair por aí devorando impunemente
qualquer árvore.
É
possível encontrar carvalhos em quase todos os continentes do Planeta,
principalmente nas regiões tropicais. Talvez só os habitantes dos polos
tivessem dificuldade de executar a decisão de devorar um carvalho, pois teriam
de se deslocar para regiões distantes. Mas aquele que for procurar um carvalho
para devorar terá dificuldade de encontrá-lo, pois já foi devorado à exaustão
quase até ser extinto em todos os Continentes.
É
importante pensar bem antes de devorá-lo, não só pelos impedimentos da
legislação ambiental, mas pelo próprio gesto ético de preservação da espécie,
pois o carvalho só floresce após completar oitenta anos de idade. E é de bom
alvitre se acautelar ainda mais, pois o carvalho tem os seus protetores prontos
a se tornarem inimigos do devorador. O carvalho é a árvore símbolo dos druidas.
Também não é recomendável devorar carvalhos na Coreia para não acontecer de
engolir a alma de algum coreano, já que naquele país, após a morte, as almas se
instalam no tronco destas árvores. E nem na China, onde elas são plantadas sobre
as sepulturas para impedir que as almas se evadam. Portanto, ao se arrancar um
carvalho na China está sendo aberto um santuário de mortos, que poderá liberar
almas que irão enfrentar iradas o devorador. Ou então festejar o glutão, já que
as almas liberadas poderão se sentir felizes de escapar da morada eterna ou no
mínimo milenar.
Trata-se
de uma árvore que vive de quinhentos a mil anos. Quanto mais intempérie
enfrenta mais fortalece as raízes no solo para garantir a sobrevivência
milenar. Assim, quem for enfrentá-lo, tenha bons dentes, já que o carvalho,
como bom adversário, sabe se defender com a rigidez de um bom combatente. Após
a decisão de devorar o carvalho, lembrar-se de aproximar com exaustiva cautela.
Como é uma árvore que traz inúmeros troncos rasteiros milhares de vezes maiores
que uma formiga, bem pode acontecer de aprisionar o devorador sob um destes
galhos como inimigo ínfimo. Bem como não deve ser escolhido para a devoração aquele
carvalho que está plantado no meio do Jardim, conforme assinalado pelas
Escrituras, para não ser desequilibrada a estrutura bíblica do Éden.
“Sentir-se”
é uma expressão que deixa alguma dúvida para a execução do projeto de devorar uma
árvore. Aquele que sente não é o mesmo que se preparou com rudimentos
científicos e materiais para conhecer e executar aquilo a que se propõe. O
sentimento serve apenas para assumir algo que apresentará resultados
aleatórios. O homem pode sentir o calor, mas não pode carregá-lo; pode sentir o
amor, mas não pode vendê-lo aos quilos; pode sentir o azul, mas não pode
pesá-lo. Poderá sentir que pode carregar cem vezes o seu peso, mas acabará
triturado, amassado ao levá-lo às costas. É de supor, então, que ao se sentir
uma formiga o homem esteja pronto a carregar até cem vezes o seu peso, isto,
oito mil quilos se for um de oitenta quilos; ou seis mil quilos se tiver
sessenta.
Aquele
que vai devorar um carvalho, além de sentir-se pronto, tem de estar preparado
para a tarefa. Como um carvalho não pode ser devorado de uma única vez, já que tem
um volume centenas de vezes ao do homem, algum armazém deve ser preparado de
antemão para guardar os galhos picotados, as folhas ensacadas, as raízes e as
cascas moídas e as bolotas assadas. Além de exigir que algum elemento de
transporte esteja disponível para deslocar até o armazém a árvore desmontada.
Suponhamos,
no entanto que a árvore seja um projeto imaginário. Uma metáfora. O homem estar
pronto para devorar uma cidade, um país, uma terra estranha. Um curso de
medicina, um discurso no parlamento, no organismo internacional. Encarar o
mundo. Declarar guerra ao alienígena. Se o homem não estiver de posse de todos
os rudimentos para a tarefa a que se propôs, ele, sim, é que acabará devorado
pelo carvalho, que desabará como uma tempestade sobre o seu ínfimo corpo.
Como
gesto de reconhecimento da pequenez do homem para enfrentamento das grandes
obras, é justo e legítimo sentir-se uma formiga capaz de devorar um carvalho.
Abominável, no entanto, se o indivíduo se sentir acima dos carvalhos, maiores
do que seus contendores, e que carrega o direito de devorar toda obra milenar,
inclusive aquela instalada pelos ancestrais na medida exata do centro do Éden.
Ao
sentir-se capaz de devorar um carvalho, o homem tem de reconhecer que uma
formiga não devora sozinha a árvore. A trilha foi construída em conjunto, com
divisões de tarefas; cada formiga carregou, em diversas travessias, suas cargas
de gravetos e folhas e bolotas, num trabalho social e solidário de todo o
formigueiro.
Em
algum lugar o carvalho espera a formiga para ser devorado. Todo homem tem de se
sentir uma formiga preparada para a empreitada, com a família e a sociedade
organizada em perfeito ordenamento para executá-la. Todo homem tem de praticar
obras sobre as quais não irá tirar nenhum desfrute, mas talvez sua futura
quinta ou sexta geração. Basta ver que o homem não terá a mínima chance de
devorar o carvalho que ele mesmo plantar. O homem não trabalha, portanto, só
para si mesmo ou para seu tempo.
Cada
homem plante o seu carvalho, e dele não tirará nenhum desfrute, nem mesmo verá
a primeira floração. Sócrates, Dante, Homero, as naves de Américo Vespúcio, de
Colombo ─ deles são os carvalhos que hoje devoramos.
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