A poesia é meu território, e a cada dia planto e colho grãos em seus campos. Com a poesia, eu fundo e confundo a realidade. (Linoliogravura do fundo: Beto Nascimento)
31 de janeiro de 2008
o bem-te-vi na ponta da piteira
A sua geografia ao longe
em luares espalmados de besouros
O suicida se esquece em meus braços
A sua geografia de lutas secas
ainda que se enfureça quase dentro
em cio
exangue e em fúria
um touro ou traça
O suicida amontoa cobre nos pulmões
telas de vidro
bestas famintas de mofo cítrico
Não entende que são reais
os pulgões que o comem pelas bordas
Sem nada para compreender
não lhe resta para comer
nem besouros ou libélulas
A geografia do suicida
não assinala nenhum luar de festa
@ Salomão Sousa
27 de janeiro de 2008
Pouco tempo para raciocionar,
mas ainda assim
pude conversar com a minha visita mais assídua predileta:
o poeta João Carlos Taveira.
E também, após assistir trecho de um filme de avant-guard,
imaginar um possível título de livro de poesia:
"Treino para enlouquecer".
E também, em tempos de febre amarela, escrever um miniconto para o Robson Corrêa de Araújo.
"O pernilongop entrou no quarto com Tcheckhov."
25 de janeiro de 2008
Dele são os poemas amorosos que ainda tolero ler,
sem sentir tão ridículo.
DÁ-ME TUA LIBERDADE
Pedro Salinas
Tradução: Salomão Sousa
Dá-me tua liberdade.
Não quero tua fadiga,
não, nem tuas folhas secas,
teu sonho, teus olhos cerrados.
Vem a mim a partir de ti,
não a partir do teu cansaço
de ti; quero senti-la.
Tua liberdade me traz,
assim igual a um vento universal,
um odor de madeira.
remotas de teus móveis,
um monte de visões
que tu vias
quando no alto de tua liberdade
já cerravas os olhos.
Que bela tu livre e de pé!
Se me dás tua liberdade me dás teus anos
brancos, limpos e agudos como dentes,
dás-me o tempo em que a gozavas.
Quero senti-la como sente a água
do porto, pensativa,
nas quilhas imóveis
em alto mar. A turbulência sacra.
Senti-la,
vôo parado,
assim como a quieta várzea
sente a rama
onde vem a ave e pousa,
o ardor de voar, a luta pertinaz
contra as dimensões azuis.
Dencanse-a hoje em mim: vou gozá-la
com um tremular de folha em que descem
gotas do céu ao solo.
Quero-a
para soltá-la, somente.
Não tenho cárcere para ti em meu ser.
Tua liberdade te guarda para mim.
Soltarei-a outra vez, e pelo céu,
pelo mar, pelo tempo,
verei como parte para seu destino.
Se o teu destino sou eu, ele te espera.
"Há um pernilongo em meu quarto. De onde terá vindo?"
21 de janeiro de 2008
Neste dia em que acabam as minha férias,
acordo com a sensação de que falo
todas as línguas do mundo,
menos a que cresceu comigo,
que deu voz às minhas alegrias
e realidade ao universo em que sempre vivi.
Não consigo me comunicar com meus familiares,
com a realidade que me circunscreve,
com a anarquia dos meios de comunicação,
com.
A poesia é uma procura — de um lugar, de uma ordem,
de um Reino, ou mesmo de um desastre infernal
a nos comer eternamente o fígado.
Todo homem está numa procura. De si mesmo, de um lugar.
A procura dos limões para o olhar,
dos girassóis para o sol das manhãs.
Uma frágil mão para fortalecer a nossa frágil mão.
A partir da tradução de Octavio Paz,
deixo aqui a minha versão do poema que Czeslaw Milosz
dedicou ao poeta hindu Raja Rao,
que trata desta universal procura.
Raja Rao, como gostaria de saber
a causa desta enfermidade.
Anos a fio não pude aceitar
que onde estava era meu recanto.
Em outra parte estava meu lugar.
A cidade, as árvores,
as vozes dos homens,
não eram, não estavam.
Vivia num eterno partir.
Noutro lado havia uma cidade real,
árvores reais, vozes, amizade, amor, presenças.
Atribubue, se quiseres, este caso peculiar,
à borda da esquizofrenia,
à messiânica esperança
de minha civilização.
infeliz na república:
numa, suspirava pela liberdade;
noutra, pelo fim da corrupção.
Construía em minha alma uma cidade,
permanente, às pressas desterrada.
Por fim aprendia a dizer: esta é minha casa,
aqui, diante da chama do crepúsculo marinho,
nesta margem à beira de tua Ásia,
nesta república moderadamente corrompida.
Raja, nada disto me curou,
de meu pecado, de minha vergonha.
A vergonha de não ser
aquele que pude ser.
A imagem de meu ser
cresce gigantesca no muro
e esmaga minha sombra miserável.
Por isso acredito no Pecado Original,
que não é outra coisa senão a primeira
vitória sobre o eu.
“Atormentado pelo eu e pela traição”:
te dou, como vês, um fácil argumento.
Ouvi que falavas em libertação:
idêntica à de Sócrates
a sabedoria de teu guru.
Não, Raja, eu devo começar
a partir do que sou.
Sou os monstros que habitam meus sonho,
os monstros que me ensinam quem sou eu.
Se estou enfermo, quem pode dizer
que o homem é uma criatura sã?
A Grécia tinha que perder, sua pura inocência,
tinha que se tornar mais intensa nossa agonia.
Precisávamos de um Deus que nos amasse,
não na glória da beatitude: em nossa fraqueza.
Não há alívio, Raja,
meu destino é agonia e luta,
abjeção, amor e ódio a mim mesmo:
Orar pelo Reino Eterno e ler Pascal.
12 de janeiro de 2008
Estamos seguindo para Silvânia para encontro de familiares e para uma busca de alguma trilha de nossa raiz genealógica.
4 de janeiro de 2008

Neste início de férias, tenho aproveitado o tempo para ver alguns filmes.
Sem ler nenhum crítica antecipada, vi 'Mutum', da cineasta brasileira Sandra Kogut. Trata-se da livre adaptação de uma novela de Guimarães Rosa. Eu preferia que não fosse mencionado que se trata de uma adaptação, pois a linguagem, o tempo e mesmo o ambiente do filme não é o mesmo do escritor mineiro. Há intervenções de muitos materiais estranhos ao universo roseano. Em Guimarães não há lugar para o eucalipto no escript ou de excesso de plástico ou de roupas confeccionadas de polietileno ou sei lá que outras fibras sintéticas. Mas valeu a produção. Talvez sejamos tão íntimos daquela realidade — eu que vim do sertão goiano — que não há impacto na compreensão do processo de formação do personagem. Talvez a rigidez ainda seja maior do que aquela enfrentada pelo Tiago de Kogut. Mas é isso, acredito que tenha faltado um pouco mais de pesquisa do universo roseano. Para baratear produção acabaram atualizando demais o tempo em que acontece a trama do filme.
E, depois, assisti alguns filmes de Mizoguchi. Pena que não sejam lançadas cópias de seus filmes por aqui!!! Trata-se de um cineasta tão maltratado no Brasil!!! Acabo de sair de 'Contos da lua vaga". Este filme foi feito em 1953, quando eu tinha apenas um ano, e parece que acabou de sair do forno — pão quente que queima nossos olhos e nossas mãos. Entrelaça realidade e imaginário para criticar os sonhos humanos. Dói!!!! Não analiso o filme, pois há material já disponível na internet capaz de dar um pouco de visibilidade sobre a sua importância!!! Veja na imagem a sutileza da construção da imagem japonesa!!!
2 de janeiro de 2008
O Carlos Willian me pediu um pequeno texto para o Opção Cultural com indicações de leitura para 2008. É com o texto que escrevi para ele que saúdo todos os meus visitantes com meus votos de um 2008 de mais humanidade:
São diversas as justificativas para a obrigatoriedade da leitura. Uma de Harold Bloom é a que mais satisfaz. Em uma de suas obras ele diz que devemos ler para combater a “presunção”. E, para combater a presunção, o acompanhamento de todos os segmentos das artes é tarefa imprescindível. Tarefa imprescindível, igualmente, o desenvolvimento de alguma tarefa — nem que seja crítica — que leve à participação social. Não adianta a leitura, a música, o teatro, se não há alguma integração com o humano.
O que se espera, em cada início de ano, é que a participação aconteça de forma mais integradora. Aguardamos sempre que desembarque nas livrarias novos livros definidores, desintegradores — e, com eles, desintegremos a nossa cavalar desumanidade. Presumimos que temos conhecimento, presumimos que somos humanos.
Em 2008, eu continuaria lendo Rilke, Kafka, Dostoievski. No entanto, algumas edições recentes merecem o desembolso de alguns reais e de algumas horas de solitária leitura. Duas coleções me chamam a atenção, inclusive pela abordagem social divergente: O quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell, pela Ediouro, em primeira tradução no Brasil, de uma poeticidade extraordinária, como se fosse um romance de viagem, mas com personagens deslocados da sociedade, por demais aristocratas; e a caixinha com os três livros de memórias de Máximo Gorki (Infância, Minhas universidades e Ganhando meu pão) pela Cosac e Naif, que continua encantando leitores mundo afora — este pertence sabidamente à corrente realista.
E depois dois livrinhos pequenos para os tempos de menos disponibilidade de leitura: O velho e o mar, da Civilização Brasileira (esse belo livro merece uma edição de bolso, acessível), de Hemingway; e Uma vida em segredo, de Autran Dourado, pela Rocco. Hemingway nos mostra a necessidade de cumprimento de nossos projetos, a necessidade de enfrentarmos nossas tarefas com honradez e determinação. Já Autran Dourado, nessa pequena obra prima da literatura brasileira, nos ensina a necessidade de respeito às diferenças culturais. E que todos não deixem de acompanhar a reedição da obra de Graciliano Ramos, toda revisada, pela Record. Ai, são tantos livros! Não gostaria de esquecer Érica e seus irmãos, de Élio Vitorini, pela Berlendis @ Vertecch. Romacinho desgraçado. Gostaria que ele acertasse o estômago de mais gente!
Estes e muitos outros livros são leituras obrigatórias, para nos livrar da presunção de que sabemos, em qualquer ano que comece.
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