A poesia é meu território, e a cada dia planto e colho grãos em seus campos. Com a poesia, eu fundo e confundo a realidade. (Linoliogravura do fundo: Beto Nascimento)
13 de junho de 2006
Antes de tudo
Antes de tudo eram as andorinhas e o imenso céu, que eu via muitas vezes entre galhos de árvores. Andava pelos grandes caminhos afundados pelos animais me divertindo com os pequenos veludos vermelhos e brancos, de polpa doce. Os grandes cogumelos após as queimadas para as primeiras chuvas. As fugas das caninanas e dos cascavéis. E o prazer de recolher numa imensa bacia de flandres, com meus irmãos, nas nossas brincadeiras —, coleções de lacraias, pulgões, besouros, caracóis. E as permanentes revoadas de borboletas multicoloridas. Isso era na beira do rio Calvo, município de Silvânia, em Goiás, numa pequena fazenda de meu avô, que era hábil artesão em couro e madeira, e gostava de literatura de cordel. Ali, fui alfabetizado por Zé Ribeiro, um andarilho rezador, contratado por meu pai por três meses para ensinar as primeiras letras para mim e meu irmão Miguel. Até a fundação de um grupo escolar naquela localidade, estudei ainda por um mês na fazenda de meu tio Pedro Miguel. Aquele mês foi de completa festa. Eram uns doze primos e primas. Um grande pomar, com mexeriqueiras, daquelas pequenininhas (doces e cheirosas). Jambos. Como eram cheirosos os jambos! E o brejo onde colhíamos talos de buritis para armações de armadilhas e para tecer pequenos brinquedos. Mas, depois, com a inauguração do grupo escolar na fazenda do Zé Arnaldo, a minha rotina foi alterada. Andava uns três quilômetros a cavalo e ficava quase o dia todo naquele grupo escolar. Levava o almoço numa vaslha de alumínio. Talvez um ano, ou mais — não sei quanto tempo estudei naquela escola. Aí, como meu pai tinha decidido que nenhum filho dele poderia ser analfabeto como ele e minha mãe, mudamos para Silvânia. Lembro-me de nossa última noite na fazenda. Recebi a visita de minha professora do grupo escolar (tenho de resgatar o nome dela). Ela me anunciou que também estava deixando a escola, já que perdia o seu melhor aluno. Talvez essa tenha sido a homenagem mais honrosa que tenha recebido em minha vida. Não só pela declaração dela de partir por minha causa, mas também pelo cumprimento de sua promessa — pois realmente ela voltou para a cidade. Assim, em 16 de janeiro de 1964, cheguei na cidade. As boas vindas foram dadas com um gesto de intolerância. A casa em que ficaríamos por um mês, até ser desocupada a da rua Direita, que meu pai tinha comprado, ficava perto da Igreja. Enquanto meus pais organizavam a mudança, fui visitar a igreja com meus irmãos menores. Assim que entramos, o zelador gritou para nós: — Saiam daqui, seus caipiras. Da Revolução de 1964 eu tinha visto apenas os aviões passando no céu azul da fazenda e meu pai me dizendo que eram os militares indo para Brasília. Mas começava ali naquele ato de intolerância a minha revolução pessoal. Completei o primário no grupo Moisés Santana, e o ginasial no Ginásio Anchieta, dos padres salesianos. Portanto, uma formação cristã — avós e pais cristãos, que legaram o meu nome bíblico; um professor mestre em rezar terços e, finalmente, os padres salesianos. (Texto em resposta a uma entrevista a Mara Puljizz)
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Salomão, continuo por aqui, lendo tudo, mas superficialmente, para conhecer melhor suas idéias.
ResponderExcluirEstou gostando demais.
Se me permitisse, gostaria de colocar o link lá no meu blog.
Beijos
mano velho...
ResponderExcluirnão tem como te elogiar...
fico nas entrelinhas
fico nas dúvidas
prazer em ser seu mano
beijão