13 de junho de 2006

ULISSES, de Tennyson

Depois que li esse poema toda minha concepção de poesia foi alterado. Não me satisfez a tradução que aparece no livro de Harold Bloom, Como e por que ler os clássicos, pois, para respeitar a métrica, acabaram cortando parte do enunciado - e isso refletiu na perda da dramaticidade. Fiz a minha adaptação livre a partir do espanhol. Auuuuuuau!!!!! Há uma tradução de Haroldo de Campos que saiu numa edição do Mais!


Fútil o ganho para um rei nada útil,
na calma do lar, à beira de penhas áridas,
unido a uma idosa esposa, a impor e dispor
iníquas leis a uma raça selvagem
que come, e amealha, e dorme, e de mim nem sabe.
A mim não resta senão viajar: beberei
a vida até o fundo. Sempre desfrutei
da fartura, e com fartura sofri, junto àqueles
que me amavam com amor ímpar; e, em terra,
arrastado pela corrente, as chuvosas Híades
agitavam o lúgubre mar: ganhei nome:
para sempre vagando com coração ávido,
vi, possuí, e muito conheci; cidades de homens
e costumes, climas, conselhos, governos,
nunca com desprezo, mas honrado por todos;
e brindei o prazer da batalha com meus pares,
longínquo ressoar nos vales da Tróia dos ventos.
Sou parte de tudo que encontrei;
ainda que toda experiência seja um círculo
em que brilha o mundo inexplorado com margens,
que sempre se desfazem sempre que avanço.
Que triste é deter-se, chegar a um fim,
enferrujar, enrugar, não brilhar com o uso!
Assim como respirar, era a vida! Vida cheia de vida
e de tudo fica um pouco, e de tudo para mim
poucos vestígios: mas a cada hora é salvo
desse silêncio eterno, um pouco mais,
um portador de coisas novas, e vil seria
se apenas três sóis me prouvessem e amealhassem
e este espírito grisalho com ânsias
de alcançar a sabedoria como um astro que se funde
antes de irromper o último pensamento humano.
Este é meu filho, meu Telêmaco,
a quem deixo o cetro e a ilha —
meu bem-amado, capaz de consumar
este trabalho, apaziguar com mansa prudência
um rude povo, e brando, passo a passo,
submetê-lo ao que é útil e bom.
Irrepreensível ao máximo, pronto para a domínio
dos deveres públicos, decente para não fracassar
em missões delicadas, e contribuir
com a justa adoração aos deuses de minha casa
quando eu partir. Eu lido a minha; ele, a sua lida.
Ali em frente o porto; a nave infla suas velas:
ali a penumbra do vasto escuro dos mares. Meus marinheiros,
almas no duro esforço, forjam, e fazem comigo —
sempre com festivas boas-vindas tomaremos
o trono e o sol, resistindo com
livres corações, sem desfaçatez —, somos velhos.
A velhice mantém suas honras e esforços;
a morte tudo conclui: mas há algo no fim,
por fazer ainda uma tarefa nobre pode haver,
nem só homens indecorosos em luta com deuses.
Começam a piscar as luzes frente às rochas:
apaga-se o largo dia, a lenta lua sobe: em volta
o fundo gemido das múltiplas vozes. Venham,
amigos, não é tarde para buscar um novo mundo.
Desatracai e, postos em ordem, batam
os sonoros encaixes; pois é meu intento
navegar além de onde o sol se põe, e se banham
os astros ocidentais, até a morte.
Talvez aqueles vorazes golfos nos devorem,
Talvez venhamos a alcançar as Ilhas da Fortuna
e vejamos o grande Aquiles, nosso conhecido.
Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta;
e ainda que perdida a força dos velhos dias
que movia céus e terras; somos o que somos;
uma coragem única nos corações heróicos,
débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes
em lutar, achar, buscar, jamais render.

4 comentários:

  1. o ato da escrita para mim só tem razão de ser quando pode explodir com todas as amarras,é quando sou,independente de regras escolas,não tenho medo de errar pois sei dos erros de toda a humanidade,o que quero é dizer.se é poesia ou oralidades,ensaio ou rascunho,cronica ou mini-conto,não dou a minima.porem quando vem a febre e derramo minha bilis,saio mais leve para o exercicio,suporto melhor os homens e suas vaidades...Robson2006.

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  2. Lendo os escritos..
    pensando...
    obtive coragem para enfrentar o dia a dia, encarar o amanhã, piois está escrito:
    "Ainda que muito esteja perdido, muito nos resta;
    e ainda que perdida a força dos velhos dias
    que movia céus e terras; somos o que somos;
    uma coragem única nos corações heróicos,
    débeis pelo tempo e pelo destino, mas persistentes
    em lutar, achar, buscar, jamais render."
    extremamente profundo e útil.
    parabéns.

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  3. Aquela tradução nao satisfaz a ninguém. mesmo porque esse poema nao satisfaz o silencio, nem a musica. ele silencia tudo, até o próprio silencio, com sua música.

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Salomão Sousa sente-se honrado com a visita e o comentário

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