[Este poema também foi traduzido por Cláudio Daniel para a coletânia de poema de Victor Sosa que acaba de ser editada no Brasil. Victor Sosa, uruguaio residente no México, é um dos mais importantes poetas surgidos nos últimos tempos]
Deixar de ser: sair
Não ser mais o pássaro na rama
nem a rã em sua lama; ser a pedra
de toque voraz, pedra rodada
pelo mundo: canto; não ser
mais a pedra ser a árvore presa
à curva terráquea, árvore
votiva, cheia de pássaros vazia de copa
árvore que fala em sussurros; não ser
mais a árvore ser o fruto
da estação que se anuncia, fruto
do trabalho e fruto proibido
do prazer; por exemplo: essa maçã
no sexo da garota; não ser
mais o fruto ser a garota
que olha na janela, o que olha a garota?
olha as costas da Argélia, olha as Costas do Marfim
olha! ali vai Ulisses; não ser
mais a garota ser Ulisses, ileso
de sereias em sua Ítaca; não ser
mais sua Ítaca ser Minotauro sem medo
e ferir a virilha da moça inglesa
que pode ser Ariadne, que pode ser o pássaro
quetzal ou Quetzalcóaltl, o deus que disse adeus
porque deixar de ser é ser como ele: se passar
por colibri e não se passar pela noiva
não pensar em Esperança quando chegar
a desesperança, e é certo
que a desesperança chega já que é afluente
é dilúvio e é pranto militar; deixar de ser
será desfazer o poema em seu iglu
declinar Juana de Ibarbourou, saudar
sobre a ponte do Brooklyn com a esquerda
e benzer com a direita; será
não dar as horas a César; dar graças
e fechar o serviço.
Deixar de ser: caminhar sobre as águas.
Tradução: Salomão Sousa
A poesia é meu território, e a cada dia planto e colho grãos em seus campos. Com a poesia, eu fundo e confundo a realidade. (Linoliogravura do fundo: Beto Nascimento)
13 de junho de 2006
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